Em sessão esgotada na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo de 2024, o diretor e roteirista Fernando Coimbra disse que Os Enforcados é “um filme surtado feito por pessoas que estavam em um surto coletivo”. Não fica dúvida sobre a veracidade da afirmação, visto que o longa abre mão de sutilezas para retratar como a sede de poder é capaz de corromper um casamento, uma família e toda a sociedade na cena do jogo do bicho no Rio de Janeiro.
Fernando Coimbra, que estreou no cinema brasileiro com o excelente O Lobo Atrás da Porta (2013), retorna agora com um filme premiado em Sundance, exibido e aclamado em diversos festivais pelo mundo, e com uma carreira internacional que inclui a direção de séries como Narcos e Perry Mason.
Em Os Enforcados, o diretor paulista, que tem uma visão única dos subúrbios e bastidores da criminalidade carioca, mostra que é um autor capaz de realizar suas grandes ambições. Inspirado por Macbeth, de Shakespeare, Coimbra apresenta a violência e a loucura do crime organizado em uma narrativa em que os envolvidos são mais do que vítimas ou algozes: estão fadados ao destino trágico que eles mesmos escolheram.
Uma vez inserido nesse mundo, é impossível deixá-lo sem atravessar um caminho de mortes, vingança e paranoia. Esse é o páthos da trama shakesperiana de Os Enforcados: Regina (Leandra Leal) e Valério (Irandhir Santos) são um casal que decide abandonar o negócio da família no jogo do bicho, mas para isso precisa cometer um último crime. Essa suposta despedida, como se pode imaginar, acaba por enterrá-los cada vez mais fundo nesse submundo de corrupção.
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A tragédia memorável e estrondosa se desenrola numa soturna capital carioca sob as lentes de Ulisses Malta Jr. cuja fotografia destaca o que, desde O Lobo Atrás da Porta pode se perceber como espécie de assinatura de Coimbra: um Rio de Janeiro acinzentado, distante das praias e imerso nos círculos em que os crimes mais hediondos acontecem.

Mas a vileza que se apresentava nos subúrbios, no filme de 2013, agora, se revela nas mansões da elite, onde o crime realmente compensa. Nesse sentido, um dos principais méritos do longa é desnudar o signo da violência para além das comunidades e favelas, expondo as figuras que, de fato, detêm poder e influência sobre o cotidiano armado.
Leandra Leal é a Lady Macbeth de Fernando Coimbra. Embora, a princípio, seja apenas uma dona de casa rica ocupada em concluir a monumental reforma de sua mansão, ela é a rainha — Regina — que conduz o marido segundo seus próprios anseios, mantendo-o envenenado contra a própria família e assegurando, até certo ponto, a isenção de culpa do casal.

Todos os eventos dessa intriga são de alguma forma provocados por Regina, mas ela também se torna refém das próprias ações e nem a sua sanidade permanece intacta. Na jornada da conspiração ao delírio, Leandra Leal se apropria de uma série de primeiros planos em que nada é necessário além de apreciar a sua espontaneidade e os seus exageros.
Protagonista também do primeiro filme de Coimbra, a atriz forma com o diretor uma dupla de sucesso que poderia muito bem ser reconhecida como uma versão brasileira de parcerias como Tarantino e Uma Thurman ou até Scorsese e Robert De Niro. Tanto em O Lobo Atrás da Porta, quanto em Os Enforcados, Coimbra parece entregar os holofotes a Leal para que ela brilhe como quiser, e isso tem funcionado muito bem.
Com Marília Mendonça na trilha sonora, conduzindo planos-sequência que levaram dias inteiros para serem gravados, e uma trama repleta de reviravoltas, com vinganças dignas do próprio Macbeth ou até de Game of Thrones, Os Enforcados é uma grande soma à safra de produções espetaculares que vêm consolidando o reconhecimento global do cinema brasileiro.
Certamente, é um filme surtado que ainda provocará muitos surtos coletivos.
Minha nota para Os Enforcados no Letterboxd: 4 estrelas e meia.
Os Enforcados (2025)
Direção e roteiro: Fernando Coimbra.
Duração: 123 min.

