“No final do século XIX e início do século XX surge, em Nova Orleans, o Jazz, fruto da fusão entre tradições musicais africanas e europeias, cultivadas principalmente pela comunidade afro-americana. Suas raízes estão no blues, no ragtime (com seus ritmos sincopados ao piano), nos espirituais negros e nas bandas de metais que animavam festas e funerais na cidade. A improvisação, característica central do jazz, derivava tanto das estruturas do blues quanto das tradições coletivas africanas de música participativa.”
Partindo desse principio e desse capítulo histórico iniciamos o espetáculo Aqui Jazz, que tem como abertura justamente esse texto apresentado pelo carismático Marcus Veríssimo, que nos recebe já no saguão do teatro tocando gaita junto a uma banda que aquece o público nas noites frias de São Paulo.

O espetáculo Aqui Jazz constrói sua dramaturgia a partir da essência do jazz — a improvisação e a fusão de tradições —, traduzindo-a não apenas na música, mas na própria estrutura narrativa e nas relações entre os personagens. Giovani Tozi elabora uma trama não-linear que, como uma jam session, permite que memórias e emoções surjam de forma orgânica, intercalando humor e melancolia, expectativas e frustrações, espelhando a vida como uma composição em constante reinvenção. A história de Gésio/Jazzinho, envolto na pressão de um legado musical não assumido, funciona como um solo de jazz: cheio de pausas e harmonias inesperadas, enquanto o trio amoroso encarna a dinâmica coletiva do gênero, onde cada voz encontra seu espaço sem apagar as outras. O texto e a encenação criam um “jam dramatúrgico”, em que o público é convidado a reconhecer suas próprias histórias nos improvisos cênicos, resultando em uma experiência que, tal qual o jazz, é ao mesmo tempo, íntima e universal, deixando marcas pelo que é dito e pelo que ressoa em silêncio.
O elenco de Aqui Jazz funciona como uma verdadeira banda de jazz, onde cada ator brilha em seu momento solo, mas a força maior está na harmonia coletiva. Marcus Veríssimo, com sua presença carismática e versatilidade, conduz o espetáculo com maestria, transitando entre o humor e a dramaticidade sem perder a naturalidade. Camilla Camargo impressiona pela precisão de sua interpretação, evitando clichês e criando um personagem profundamente humano, capaz de envolver o público com nuances sutis e emocionais. Felipe Hintze, como Jazzinho, equilibra inocência e vulnerabilidade com um timing cômico impecável, além de um improviso ágil que reforça a essência do espetáculo. Nando Pradho completa o conjunto com performances musicais brilhantes, enriquecendo a atmosfera do espetáculo. No entanto, o que mais se destaca é a sinergia do grupo, que, como em uma jam session, atua em perfeita sintonia, respondendo às nuances uns dos outros e elevando a narrativa a um patamar de organicidade e verdade, tornando a experiência teatral tão rica e envolvente quanto a própria história que contam.
Assim como o jazz depende da harmonia entre instrumentos e da sensibilidade dos músicos para criar atmosferas únicas, o time técnico de Aqui Jazz atua como a base essencial que sustenta e potencializa a narrativa, garantindo que a improvisação e a emoção do espetáculo transbordem para o público. Os músicos Gabriel Ferrara e Rafael Gama não apenas acompanham a cena, mas dialogam com os atores em tempo real, suas percussões e harmonias improvisadas funcionando como um personagem invisível, ampliando o peso dramático de cada momento sem jamais roubar a cena. O desenho de luz de Cesar Pivetti é fundamental para imergir o espectador no clima intimista de um bar de jazz, alternando entre tons quentes e sombras profundas, enquanto a cenografia de Dani de Lova cria um espaço que é ao mesmo tempo palco e ambiente orgânico, onde memórias e música se entrelaçam. Juntos, esses elementos técnicos não apenas servem ao espetáculo, mas se integram à sua essência, permitindo que a dramaturgia, o elenco e a música fluam como uma verdadeira jam session — onde cada detalhe, visível ou não, contribui para a magia do todo.

A direção de Giovani Tozi em Aqui Jazz se revela tão habilidosa quanto um maestro de jazz, conduzindo com precisão e sensibilidade a complexa harmonia entre dramaturgia, elenco, música e elementos técnicos. Ao traduzir a essência improvisatória do jazz para a cena, Tozi cria uma encenação fluida e orgânica, onde a não-linearidade da narrativa se desdobra como uma jam session, permitindo que emoções e memórias surjam de forma espontânea, sem perder a potência dramática. Sua escolha de integrar os músicos como co-criadores da cena, aliada à luz e cenografia imersivas, demonstra um olhar apurado para a construção de atmosferas. O toque de genialidade aparece na inserção de uma coreografia com influências de Pina Bausch — um contraste deliberado entre o gestual expressionista e a linguagem do jazz —, elevando a interação entre Camilla Camargo e Marcus Veríssimo a um nível quase coreográfico, onde corpo e música se fundem em narrativa. Tozi não apenas compreende a linguagem do espetáculo, mas a expande, transformando o palco em um espaço vivo de experimentação, onde cada elemento, do texto ao movimento, contribui para uma experiência teatral tão rica e multifacetada quanto o próprio jazz.
Aqui Jazz não é apenas um espetáculo sobre jazz – é um espetáculo que se torna jazz. Em cada detalhe, da dramaturgia fragmentada à interação orgânica entre atores e músicos, a montagem captura a essência do gênero musical: a liberdade na estrutura, a emoção na improvisação e a beleza na coletividade. Giovani Tozi e sua equipe criam uma experiência teatral que vibra com a mesma energia de uma jam session, onde histórias pessoais e universais se entrelaçam em harmonias inesperadas. O elenco, magistral em suas individualidades e ainda mais potente em conjunto, conduz o público por uma jornada que oscila entre o riso e a melancolia, enquanto a direção e a equipe técnica tecem um ambiente imersivo, quase palpável. Ao final, o que fica não é apenas a memória de um espetáculo bem executado, mas a sensação rara de ter testemunhado algo vivo – como o jazz, como a vida. Aqui Jazz não se contenta em ser assistido; exige ser sentido, e é nesse poder de ressoar no espectador que sua maior conquista reside. Uma celebração da arte como encontro, como diálogo e, acima de tudo, como pura emoção compartilhada.

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Sinopse:
Aqui Jazz é um musical intimista que narra de forma épica a trajetória de Gésio, ou Jazzinho, como passou a ser conhecido depois que os pais decidiram que o filho seria a nova lenda do jazz. Um homem comum, que nunca se sentiu à altura do que esperavam dele. Entre frustrações e acordes mal afinados com o passado, Gésio embarca numa jornada que mistura memórias, música, encontros e reencontros, todos reunidos num bar cheio de história.
Gésio, ou Jazzinho, cresceu cercado pela expectativa de se tornar um gênio do jazz, título que nunca sentiu merecer. Em um bar que parece flutuar entre memórias e eternidade, ele reencontra sua família e revisita escolhas, afetos e frustrações. Misturando humor, música ao vivo e emoção, Aqui Jazz é um musical intimista que transforma a vida comum em um improviso épico sobre pertencimento, legado e reconciliação.
Ficha Técnica:
Texto e direção: Giovani Tozi.
Elenco: Felipe Hintze, Gustavo Merighi, Camilla Camargo e Marcus Verissimo.
Músicos: Gabriel Ferrara e Rafael Gama.
Assistência de Direção: Letícia Calvosa.
Direção Musical: Marcus Verissimo.
Arranjos: Rafael Gama.
Preparação vocal: Rafa Miranda.
Coreografia: Dani de Lova.
Desenho de Luz: Cesar Pivetti.
Figurinos: Fábio Namatame.
Cenografia e desenvolvimento de conteúdo de projeção: Giovani Tozi.
Cenotécnico: Evas Carretero.
Fotografia: Priscila Prade.
Direção de Arte Gráfica: Giovani Tozi.
Rede Social: Tozi Produções.
Assessoria de Imprensa: Fernanda Teixeira, Macida Joachim e Maurício Barreira – Arteplural; Laura Castro – Vira Comunicação.
Preparação de atores: Inês Aranha e Luiz Damasceno.
Visagismo Elenco: Ronalda.
Operadora de som: Barbara Frazão.
Administração Financeira: Carlos Gustavo Poggio.
Assessoria jurídica: Martha Macruz.
Produção executiva: Thomas Marcondes.
Idealização: Giovani Tozi.
Realização: Tozi Produções

