Robson Torinni, ator que entrevistou pessoa privada de liberdade para representar um parricida em Tebas Land, fala ao Jornal Nota sobre o que o público e os artistas têm buscado no teatro.
O teatro tem menos recursos que o cinema para nos enganar, por isso mesmo, a mentira que ele entrega pode ser mais dilacerante pela sua crueza e honestidade. Em Tebas Land, peça premiada que teve temporada prorrogada em São Paulo em 2025, todos os elementos da mentira são apresentados antes mesmo do espetáculo começar.
Os atores, também premiados, Otto Jr. e Robson Torinni se posicionam no mise-en-scène antes do aviso sonoro, para em seguida, desenvolver um enredo que parece uma revelação e se cria no ato da performance. Há uma obsessão com o próprio jogo teatral em Tebas Land que fazem da obra um dos exemplares mais marcantes do teatro autoconsciente, tão em alta nos últimos anos.
A tensão entre mentira e verdade é muito cara ao autor da peça, o uruguaio Sergio Blanco. Em Tebas Land, ele apresenta o tema por meio do relato autoficcional de um dramaturgo que decide escrever uma peça sobre um jovem preso por matar o próprio pai.
São dois atores e quatro personagens que dão vida à trama. Otto Jr., vencedor do Prêmio Shell RJ, vive o dramaturgo enquanto escreve a peça e durante a encenação do texto. Robson Torinni, que recebeu o Prêmio Botequim Cultural, interpreta o jovem preso e o ator que representa o parricida.
Nessa configuração de duas dimensões, ocorre algo parecido com o que acontece quando um mágico apresenta um truque: a “mentira” é inventada e explicada antes da ação. Nesse processo, em que tanto a criação quanto a performance são apresentadas em cena, a peça revela desde a etapa da composição com as intertextualidades até a escolha dos recursos cênicos.

“Exige muito equilíbrio e coesão integrar multimídia, referências clássicas e fluxo de consciência para que os recursos não se sobreponham à narrativa”, destaca o ator Robson Torinni ao Jornal Nota, “também é desafiador para os atores, que precisam manter a conexão com o público enquanto percorrem um texto denso e fragmentado”.
Apesar dos elementos complexos, o texto e a atuação mantêm uma fluidez impressionante para desconstruir as dicotomias do teatro diante do público: ficção e realidade, ator e personagem, criador e criação. Segundo alguns críticos, é o interesse por esse jogo que fez de Sergio Blanco um dramaturgo internacionalmente reconhecido.
A metalinguagem teatral parece viver um auge que, para Torinni, se dá porque vivemos em “um tempo em que as fronteiras entre realidade e ficção estão cada vez mais borradas, impulsionadas pelas redes sociais, pela cultura da performance e por uma crescente valorização da experiência individual”.
O ator sublinha que o “espectador contemporâneo demanda experiências mais reflexivas e autênticas, assim como os próprios artistas têm uma necessidade maior de pensar criticamente o seu fazer artístico”.

Com uma trilha sonora que inclui O Andante do Concerto para Piano nº 21, de Mozart e Quem é, de Agnaldo Timóteo, a peça dialoga com o mito de Édipo e o tema da paternidade em Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski.
Cada referência é pensada em cena e inserida na ação que se constroi entre a quadra de basquete de uma prisão e a mesa de trabalho de um dramaturgo. A eficiência do texto em incorporar todos esses elementos às atuações intensas coloca Tebas Land ao lado de outras grandes obras que refletem sobre a ficção dramatúrgica tanto no teatro quanto no cinema, como A Gaivota (1896), de Tchekov e A Mulher do Tenente Francês (1981), filme de Karel Reisz.
Por mais que os artifícios da peça sejam expostos, a verdade dos dois eixos narrativos se mantém e se fortalece ao passo que a trama evolui. Dado que Robson Torinni entrevistou um presidiário para dar origem ao personagem do jovem parricida, Tebas Land se consolida tanto como uma peça sobre a contemplação da arte pelos olhos do artista, quanto como uma obra sobre a capacidade de entender as atitudes e as fragilidades humanas.
Peça: Tebas Land
Texto: Sergio Blanco
Direção: Victor Garcia Peralta
Elenco: Otto Jr. e Robson Torini
Prêmios: Shell RJ de Melhor Ator para Otto Jr., Botequim Cultural de Melhor Ator para Robson Torinni, Melhor Diretor para Victor Garcia Peralta, Melhor Espetáculo e Cenym de Melhor Montagem Brasileira.

