É preciso apontar a imprecisão do título brasileiro para o longa de Arnaud Desplechin, Loucos Por Cinema!, que no original é Spectateurs!, ou seja, observador, espectador, visto que a produção não se trata somente do ato de assistir a um filme, mas também do ato de ver em si. Não só na arte, mas também na vida.
Ver a pessoa que ama beijar outra, ver um quadro e, é claro, ver um filme, experiência que possui camadas diferentes dependendo de quem e como se vê. Uma cena de terror pode gerar fascínio ou só medo mesmo. Pelos olhos de um aspirante a cineasta, os créditos iniciais de um filme podem proporcionar um prazer que passa despercebido pela maioria.

Loucos Por Cinema! está firmemente no campo do filme-ensaístico. Há uma narrativa, envolvendo um personagem recorrente do diretor, Paul Dédalus, interpretado por diversos atores enquanto ele cresce, e sua relação com o cinema em diversos momentos da vida, que não se resumem ao mero assistir, mas também à organização de cineclubes, estudos e afins.
Nesses momentos, o longa se assemelha um pouco à Os Fabelmans, que similarmente apresenta como protagonista uma espécie de alter ego do diretor, mas enquanto o filme de Spielberg vai pelo viés despudoradamente emocional de sua relação com o audiovisual, colocando o amor pela arte tanto como mágico, e também maldito, o francês é mais comedido, com um olhar mais geral, abordando também aspectos mais filosóficos e técnicos da arte. Quando não estamos com Dédalus, a produção lança mão de sequências mais documentais, que variam em forma e conteúdo.
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Uma delas entrevista várias pessoas, buscando saber as marcas – positivas e negativas – deixadas por algum filme. Uma mulher relata, por exemplo, ter ficado traumatizada assistindo Invasão Zumbi, outro conta sua experiência com O Exorcista, que apesar do conteúdo, foi positiva. Já outra sequência se demora longamente sobre o impacto que o documentário Shoah deixou em Desplechin, e conversa com dois especialistas sobre a importância da obra.

O cinema é muita coisa para muita gente, e Loucos Por Cinema! tenta abraçar um pouco dessa imensidão que faz parte da sétima arte. O esforço e o carinho são evidentes e, como cinéfilo, é difícil não simpatizar. Mas me parece faltar um pouco mais de entrega emocional à obra. Cito mais um problema com o título brasileiro: não há loucura envolvida, ou paixão, pelo menos não em sua condução que na melhor das sequências é simpática e nas piores, acadêmica.
O filme se encerra com um jovem redescobrindo sua paixão pelo cinema após rever a abertura de Os Incompreendidos, de Truffaut. Vendo a cena, também fiquei com vontade de reassistir ao filme, mas menos por um esforço de Desplechin em causar esse sentimento do que pelo simples fato de que se trata de uma grande obra e merece ser revista. Loucos Por Cinema! fala para os convertidos, mas até os fiéis precisam ser arrebatados de vez em quando.