O que leva um realizador a fazer um filme em preto e branco? No passado eram limitações técnicas. Hoje é escolha estilística. Já saindo para os cinemas com status de cult, estes filmes podem ser de qualquer gênero e país e é comum que alguns figurem na lista de indicados a prêmios como o Oscar. Em 2025 tivemos na categoria Melhor Filme Internacional um filme em preto e branco, A Garota da Agulha. Há alguns anos, um curta brasileiro bicolor, Sideral, figurou na lista de pré-selecionados, mas não foi indicado ao prêmio máximo do cinema. Carcaça (Brasil, 2025) também não tem aspirações ao Oscar, querendo apenas nos lembrar de que, nos últimos anos, vivemos um filme de terror.
O casal Davi (Paulo Miklos) e Lívia (Carol Bresolin) está passando pela pandemia de Covid-19, juntos e separados do resto do mundo, como mandava a OMS. São afortunados: moram numa casa de dois andares com quintal e piscina, onde ela faz suas atividades aeróbicas diariamente enquanto ele faz sabe-se lá o quê no notebook no segundo andar. Até que um dia ela começa a ter visões, pesadelos e sobressaltos.
Davi é mais velho que Lívia e é válido o questionamento se o relacionamento deles é abusivo. Ela diz que ele “não me deixa ter Instagram”, enquanto ele retruca que ela faz o que quer. Numa discussão, ele vai mais além: “Eu sou seu dono, você não tem vida sem mim. Você é uma parasita”. É por falas como estas que a reação de Lívia, ainda que bastante amalucada, é tão fascinante de se assistir.

O diretor abusa do plano detalhe, focalizando em partes dos corpos do casal de atores. O corpo humano é de seu interesse, como passou a ser para todos nós, uma vez que fomos confrontados com nossa finitude. Cada sintoma passou a ser observado de perto e o cinema pandêmico, se é que já pode existir esta nomenclatura, é um cinema preocupado com filmar o corpo, como acontece, por exemplo, em Seguindo Todos os Protocolos e a extensa sequência de um close-up num pênis ventríloquo.
Os jump scares e momentos de terror que acabam sendo só um sonho são usados sem nenhuma moderação. Uma vez é surpreendente, duas vezes uma constante, a partir da terceira o recurso já cansa. Nada disso era necessário para mostrar que bom cinema de gênero – no caso, o thriller – é feito no Brasil.
Paulo Miklos deixou de ser “só” um músico na banda Titãs para se tornar também ator em 2001, quando foi protagonista de O Invasor. Um de seus papéis mais marcantes no passado recente foi interpretando Adoniran Barbosa em Saudosa Maloca (2023). Sua filmografia já conta com quase vinte títulos no cinema, além de muitas participações em novelas e séries.

A gripe espanhola, pandemia que durou de 1918 a 1920 deixando milhões e milhões de mortos, afetou também o cinema. Salas foram interditadas, atores e atrizes morreram, mas pouco se filmou sobre a experiência de passar por aquela enorme praga. O exemplo maior é de um filme menor, Papai Pernilongo de 1919, no qual um espirro da superestrela Mary Pickford é suficiente para enlouquecer uma multidão.
A pandemia mexeu com nossas rotinas, nossas vidas familiar e social, nossos bolsos, nossos corpos e, sobretudo, com nossas cabeças. Ninguém, nem mesmo quem não foi infectado pelo coronavírus, saiu da pandemia igual entrou. Todos fomos por ela modificados. Ainda que o plot twist ao final mude radicalmente a narrativa, ela ainda é sobre os perigos do – agora temido, antes tão necessário – isolamento social.
Carcaça estreia em 03 de março nas plataformas digitais. Confira o trailer:
Ajude a manter o Nota vivo! Contribua no Apoia.se!
