Já estamos cansados de saber a importância da amizade. Afinal, amigo é coisa para se guardar do lado esquerdo do peito e debaixo de sete chaves. A amizade foi pensada e elogiada por filósofos na Grécia Antiga. Foi e é tema de um sem-número de poemas, odes, livros, filmes de curta e longa metragem. Nenhuma amizade é como a outra, porém o tema é universal. Por isso fazer um documentário sobre amizade pode ser ao mesmo tempo fácil e difícil. O cineasta Cao Guimarães precisou de seus amigos num momento complicado de sua vida – e ao tê-los ao seu lado se inspirou para fazer um documentário chamado simplesmente assim: Amizade (Brasil, 2025).
A amizade pode servir para fazer alguém resistir e sobreviver no exílio. Foi exatamente isso o que aconteceu com o cineasta Cao Guimarães: sua estadia prolongada no Uruguai se tornou mais suportável graças aos muitos terabytes que ele levou consigo, na forma de cartas, telegramas, VHS, slides, fitas cassete e filme. Assim, arranjou um jeito de levar os amigos de ontem e de hoje na mudança.
O que parecia ser uma ode a uma amizade – com o produtor Beto Magalhães, que acompanha Cao na longa viagem de carro de Belo Horizonte ao Uruguai – com as imagens de arquivo se torna um tratado sobre a amizade em geral. Além destas imagens, ele utiliza aquelas sobre as quais detém os direitos autorais: trechos de seus filmes pregressos, não identificados no momento da exibição, também costuram a narrativa.

Se a amizade na infância pode ser exemplificada com trocas de confidências no meio da noite e conversas profundas sobre o mundo e o que aguarda cada um de nós no futuro, na idade adulta sabemos que há amizade quando o silêncio não incomoda. Ser amigo é gostar sem fazer esforço. As amizades mudam com o tempo, como também mudou a forma de encontrar seus amigos: apesar de menos conectados, parecia mais fácil encontrar os amigos no passado. Pelo menos ninguém ficava checando as redes sociais no meio do rolê.
Algumas amizades são construídas a partir de interesses em comum, tal qual o cinema. O documentário é construído a partir de uma amizade e da sensação de solidão que invade Cao. Amizade é ócio, mas para Cao cinema é trabalho. Um trabalho que pode ser estressante a ponto de o cineasta procurar um relaxamento com ventosas para que sua imaginação flua e o roteiro que estava estagnado se desenvolva.
O documentário não se esquiva de postular reflexões sobre nosso passado recente. Cao se muda para o Uruguai em meados de 2016 e os acontecimentos políticos de mais tarde naquele mesmo ano o impactam. Nos anos seguintes, ele diz, viveu como todos os brasileiros verdadeiramente “de bem”: mergulhado num clima de ignorância e desilusão. A pandemia de Covid-19 também é tratada, com as mudanças que trouxe para as amizades: o novo encontrinho com os amigos era papear pelo Zoom. Para uma pessoa como eu, que participei de chá de bebê pelo Zoom e me viciei numa série de lives retrô chamada Silent Comedy Watch Party, esta sequência foi bem fidedigna.
Perder uma amizade pode ser tão simples, e ao mesmo tempo tão triste quanto assistir a um vaga-lume morrer, com sua luzinha piscando de maneira intermitente. O que era para ser “só” mais um filme sobre amizade acaba se tornando algo mais profundo, inclusive com questionamentos sobre a vida e a morte. Como é bom ter amigos! E que bom que existem motivos e meios diversos para celebrar a amizade.
Revisado por Gabriel Batista
Amizade chega aos cinemas em 13/03. Assista ao trailer:
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