“Anora” (2024): celebrado filme mostra que não existe amor no capitalismo e que o limite do sonho é a realidade

contém spoiler

Na cena final de Anora, Ani (Mikey Madison), após um breve flerte com um mundo luxuoso e confortável, retorna a sua triste e comum vida real. Sua briga para manter o casamento com Vanya (Mark Eydelshteyn) foi em vão e só restam as memórias de uns dias onde dinheiro não foi problema. Igor (Yuriy Borisov), encarregado de levá-la de volta, carrega um lembrete do período: seu anel de noivado. A atração do rapaz por Ani é evidente ao longo de todo filme, e diante desse gesto tão generoso, coisa rara na narrativa, a protagonista decide recompensá-lo com sexo.

Problemático? Sim, também coerente. Ani vive em um mundo de transações. Como stripper, seu carinho e atenção são, literalmente, comprados. Mesmo diante de um ato genuíno de carinho, ela só consegue oferecer o que sempre ofereceu para os clientes, seu corpo. Mas dessa vez, algo mudou e ela não consegue ir até ao final, e desaba a chorar no colo de Igor.

Até esse momento, Anora parecia ser mais uma comédia, com Ani, Igor e Toro (Karren Karagulian), padrinho de Vanya, correndo atrás do jovem inconsequente, após seus pais, ricaços russos, descobrirem seu casamento com Ani e agirem para seu cancelamento. Ani segue na esperança até o último segundo de que o amor irá prevalecer.

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Sean Baker parece gostar de explorar a ilusão de seus personagens. No seu filme Projeto Flórida, Moone (Brooklynn Prince), era protegida pela sua ignorância infantil da difícil realidade ao redor. Ani parece ser mais sagaz, mas acaba se permitindo sonhar e acreditar que seu momento de Cinderela chegou, mesmo que inicialmente desconfie da proposta de casamento de Vanya.

E por que não sonhar? O mundo que Vanya apresentou a ela até então era algo realmente digno de sonhos. Viagens de jatinho, hoteis e restaurantes luxuosos, tudo muito distante do quartinho onde dormia na casa da irmã e do clube noturno que trabalhava. Nesses momentos, o ritmo do filme parece acompanhar essa movimentação rápida de uma vida onde dinheiro não é preocupação. A cada corte um novo cenário, novos rostos. O céu parece ser o limite.

Mas o limite é a realidade que sempre cercou Ani. Sua relação com Vanya também é uma transação, o que parece ter passado despercebido pela personagem que escolheu, por um breve momento, abaixar a guarda. Conforme o filme avança, percebe-se a dimensão desse erro, pois a cada momento a protagonista perde sua agência, de modo literal, sendo amarrada e amordaçada, e também figurativo, com suas vontade sendo jogadas de escanteio a cada nova descoberta.

A dica disso já está no título do filme, Anora. Ani se recusa a ser chamada assim, mas lá está em cada pôster do filme o nome que ela renega, na boca de personagens ao longo do filme. No fim do sonho, ela tenta exercer um pouco da sua vontade, mas percebe estar somente repetindo os atos que a levaram a esse mesmo ponto baixo. Só lhe resta chorar diante da sua própria impotência.

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