No dia 25 de junho de 1924 nascia Sidney Arthur Lumet, um evento que acabaria mudando a minha vida para sempre. Essa afirmação é estranha, pois meu nascimento possui certa distância com o de Lumet — sou de 1995 — e ele nunca sequer sonhou com a minha existência, mas ainda assim, sem os filmes de Sidney Lumet, eu não seria quem sou hoje, pois seu primeiro filme, 12 Homens e Uma Sentença, me colocou no caminho da cinefilia e da crítica de cinema.
Não que eu não gostasse de cinema antes do meu encontro com Henry Fonda e os outros onze homens naquela abafada sala do júri, mas serei o primeiro a admitir que era uma dieta cinematográfica meio pobre, que consistia em filmes de ação dos anos 80, como Comando Para Matar e afins, ou filmes de terror/desastre cuja capa do DVD na locadora era algo incrível para minha mente adolescente, mas cujo conteúdo não acompanhava a minha imaginação. Jamais imaginaria que Skeleton Man, com uma capa tão radical, poderia ser tão chato, ou que Avião vs Vulcão não seria tão emocionante quanto o título promete. Ocasionalmente eu via coisas interessantes, quase sempre por acidente. Foi assim que assisti Oldboy muito antes do apropriado, um dos poucos filmes que meu pai tapou meus olhos em algumas cenas.
Nessa época, por motivos que não saberia explicar hoje, 12 Homens e Uma Sentença rondava a minha cabeça como o maior exemplar de um filme sério, adulto e “clássico”, e por isso mesmo, terrivelmente chato, mas que em algum momento teria que ver, pois meu eu de 15/16 anos tinha uma certa ânsia em se provar como pessoa séria. Por qual motivo e para quem eu queria provar isso? Só Deus sabe.
Ok, talvez me provar como “pessoa séria” não seja o correto. Eu só queria pagar de diferentão mesmo, algo que, sendo bem honesto, eu já fazia. Enquanto meus amigos assistiam High School Musical e Crepúsculo, eu era fascinado por Watchmen, e fazia questão de destacar a superioridade da obra de Moore em relação às outras duas, algo completamente descabido.
Sim, eu era terrivelmente insuportável. Sou até hoje, mas agora tenho consciência disso e tento usar meus poderes para o bem.
Enfim, foi fazendo esse dever de casa que ninguém passou para provar algo que eu já era para ninguém específico, que decidi baixar e assistir 12 Homens e Uma Sentença. Eu estava cumprindo um checklist criado por mim mesmo, não esperava gostar do filme, afinal, era a história de 12 homens conversando por uma hora e meia, sem mudanças de cenário, nada atraente para a mente adolescente. Era simplesmente uma barreira que eu precisava superar. Com isso em mente, dei play no filme.
Se alguém estivesse me observando naquela noite sem saber o que eu estava vendo na televisão, acharia que se tratava de um jovem torcendo enquanto assistia à uma partida de futebol. Eu vibrava com o filme, ficava de pé em frente à televisão, olhos vidrados e brilhantes, acompanhando a tensa deliberação que iria decidir a vida de um jovem. Cada voto virado pelo personagem de Henry Fonda era como um gol marcado, meu coração ribombava no peito e eu estava suando, como se estivesse naquela mesma sala abafada do júri.
Lembro de perceber que algo estava acontecendo comigo, a frase “como assim eu estou adorando esse filme?” cruzava minha cabeça, e foi ali que percebi que cinema é muito mais do que brutamontes carregando armas gigantes e monstros grotescos. Mas o mais importante foi que, a partir dali, gostar de cinema deixou de ser uma questão de performance, mas de um interesse genuíno pela arte, de deixar minha curiosidade solta para apreciar coisas que, geralmente, não estão no meu radar.
Foi um sentimento tão claro e límpido que, sendo sincero, fico até emocionado lembrando e, paradoxalmente, me impediu de rever o filme até recentemente. Minha memória da narrativa é muito clara, mas o obstáculo maior foi justamente o tamanho do impacto inicial. Uma revisão fatalmente daria uma impressão reduzida da obra.
Bom, foi o que aconteceu. Para escrever esse texto, decidi rever o filme, mais de 10 anos depois do primeiro encontro. Os batimentos do coração ficaram normais, deitado na minha cama, com a ocasional pausa para ir ao banheiro.
Claro, ainda é um bom filme, e nesse segundo contato, acho que pude perceber melhor os elementos que me deixaram tão extasiado. É uma obra muito simples e clara, com suas viradas e mudanças bem demarcadas — cada argumento vencido é acompanhado de um close no rosto do perdedor — e os dilemas encarados são atemporais, com personagens abrangentes o bastante para se tornarem símbolos de algo, mas mantendo também certa personalidade.
Assumo que, passado mais de uma década, 12 Homens e Uma Sentença também não é mais exatamente o tipo de obra que me instiga enquanto crítico e roteirista. Contudo, fica a memória daquela noite, daquela emoção, que pauta toda minha relação com o cinema e com a crítica.
Existe aquela concepção genérica do crítico como uma figura chata, e admito que também gosto de alimentar essa imagem entre meus amigos, afinal, eu sou insuportável. Mas é a busca por esse momento tão apaixonante que me move. Encontrar outro filme que me transforme em um adolescente encantando por close mais uma vez e agora com a responsabilidade de traduzir essa sensação para quem me lê. Não sei se já consegui isso em algum momento ou se irei conseguir, mas jamais deixarei de tentar.