“Coringa: delírio a dois” (2024): um ‘La La Land psicótico’ com crítica à sociedade do espetáculo


Afinal que Coringa é esse de Todd Phillips? Ao sair da cabine ouvi o burburinho de comentários e estou certa das opiniões negativas que virão sobre esse filme. Assim como o primeiro Coringa este veio em forma de crítica à sociedade, agora à sociedade do espetáculo. Como eles dizem e repetem e cantam, e rememoram “that’s entertainment”. Isso tudo é um grande entretenimento, afinal, “o mundo é um palco”. Uma trilha sonora ambientada nos anos 50, evidenciando como o sofrimento sob holofote gera comoção, agitação, mas não empatia.

A cena inicial intitulada como “Eu e minha sombra”, magistral, em animação remetendo a Looney Tuneys e a era de ouro da animação, literalmente desenhou para quem não entendeu sobre o que se tratou o filme anterior. A partir deste resumo dos últimos acontecimentos, encontramos Arthur Fleck, da forma que conhecemos: inseguro, apático, desanimado, abatido, vexado, em uma prisão psiquiátrica dois anos depois dos eventos do filme anterior.

Nesta cena, Arthur está sendo preparado para encontrar com sua advogada, durante o caminho de uma ala a outra, os guardas transitam com Arthur pela chuva, todos eles estão de guarda-chuva, menos Arthur. Uma cena de um azul acinzentado, um cinza Gothan, e os guarda chuvas de um corte para outro ficam coloridos. Amarelo, vermelho e azul. Já demonstrando visualmente o passeio delirante pelo campo da alucinação que nos aguardava. Esperávamos encontrar o vilão aqui neste filme, já que nos foi dada a pré historia, esperávamos assaltos, e bom, “or the scene where the villain is mean”. Mas cadê Arthur sendo “villain”, cadê Arthur sendo “mean”?

Coringa segue parecendo uma personalidade à parte, uma sombra, muito coerente e inteligente, psicopata e sanguinário, mas eu torço por ele (?). Ah, claro Arlequina, quase ia me esquecendo, ou Lee, Gaga dá a vida a uma Arlequina oposta a que conhecemos. De primeira bem psicótica e obsessiva, mas acaba se revelando manipuladora e “má influência” para Arthur. Não sei lidar com esse fato. Os muitos números musicais que preenchem a obra são fruto do campo da alucinação.

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O filme funciona tal qual uma peça de teatro e o que separa o real dos delírios são as músicas. Todos os demais artefatos visuais são mantidos e preservados em sua estética. Inclusive tem um take do Coringa dentro da cela contraluz, bem centralizado na tela, e as grades ao fundo que ficou ó: bélissimo! Exemplificando muito bem a técnica de composição fotográfica mais conhecida: a regra dos terços.

Ademais sobre beleza não há que se queixar, os ângulos estão bem coesos e encaixados e cada música dá não somente o tom da cena como também nos mostra a mente desequilibrada e doente de Arthur. Sinto dizer que é somente isso que temos aqui, a doença mental que sobressai ao vilão de fato. Arlequina não tem evidência, ela funciona como um apoio ao personagem principal.

No decorrer do filme que só nos faz sentir pena de Arthur, tudo está sempre a véspera de acontecer e essa ansiedade de é agora? é agora? e acaba que nada acontece. E sério, tudo bem. Tudo bem mesmo nada acontecer, essa talvez seja uma linha do tempo paralela onde Arthur Flecker é apenas uma pessoa com transtornos, criminosa, traumatizada e extremamente doente. Mas não um vilão, essa pessoa aqui não se tornou o Coringa.

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