Hilda Doolittle nasceu em 1886 em Belém, Pensilvânia, e cresceu em Upper Darby. Escrevendo sob o pseudônimo de H.D., seu trabalho como escritora abrange cinco décadas do século 20 (1911-1961) e incorpora trabalhos em diversos gêneros. Ela é conhecida principalmente como poeta, mas também escreveu romances, memórias e ensaios e fez diversas traduções do grego.
O seu trabalho é consistentemente único e original, reflectindo e contribuindo para o ambiente vanguardista que dominou as artes em Londres e Paris até ao final da Segunda Guerra Mundial. Imerso durante décadas nas contracorrentes intelectuais do modernismo, da psicanálise, das mitologias sincretistas e do feminismo, H.D. criou uma voz e uma visão únicas que procuraram dar significado aos fragmentos fragmentados de uma cultura devastada pela guerra.
Confira 10 poemas inesquecíveis de Hilda Doolittle!
Rosa do mar
Rosa, rosa árdua
marcada e de poucas pétalas
flor escassa, magra
esparsa de folhas
mais preciosa
que a rosa fresca
singular no caule –
você cai na corrente.
Prematura, de pequenas folhas,
você é arremessada na areia
é erguida
na areia áspera
que voa com o vento.
A begônia consegue
escorrer um perfume assim tão ácido
petrificado na folha?
Vaso de vinho
Vou me levantar
do meu juramento
com os mortos
Vou adoçar minha taça
e meu alimento
com dom;
Vou talhar um vaso de vinho,
para o vinho branco
e para o tinto;
Vou invocar um Sátiro pra dançar
um Centauro,
uma Ninfa,
e um Fauno;
Vou pintar
um Rei Guerreiro
um Gigante,
uma Náiade,
um monstrengo.
Vou cortar em torno da cratera
coisa simples
e caseira
folhas de videira
ou asa de gaivota;
Vou trabalhar em cada etapa
até ficar exausta
e meu coração:
no meu crânio,
onde a visão deu à luz
virá vinho
derramará canto
na terra quente,
da flor e da doce
montanha,
tomilho,
flor do mato,
cidreira e gramado;
no meu crânio,
de onde a visão tomou vôo
virá vinho
derramará canto
da noite fria
da prata e lâmina da lua,
da estrela
e do beijo do sol ao meio-dia;
Vou desafiar a flauta
e a lira das cordas
a cantar mais doce
a louvar mais alto
a fragância e a doçura
da jarra de vinho,
até que cada amante
convoque seu par,
a ofertar uma rosa
onde estão todas as flores
nas profundezas da primorosa cratera;
flor cairá sobre flor
até que o banho tinto
inflame todos
com íntimo fervor;
até que
os homens que estão distantes
se animem
sentindo a uva
e o vale
na taça;
os homens que dormem no bosque
vão se levantar
ouvindo o sobe e desce
da maré,
atraídos pelo feitiço do mar,
o vaso vai enredar e encantar
homens que rastejam de amor
até que queiram apenas
a profusão de estrelas da noite;
os que moram bem no interior
vão em busca de barcos;
o pescador do alto-mar
lançando redes
vai abandoná-las
pelo trigo e pelo barro;
homens que vagueiam
irão em busca de casa
homens em casa
irão embora.
Vou me levantar
do juramento
com os mortos
Vou adoçar minha taça
e meu alimento
com dom;
Vou talhar um vaso de vinho,
para o vinho branco
e para o tinto.
Traduções dos dois poemas de Júlia C. Rodrigues
Os que dormem ao vento
Brancos
mais que a crosta
que a maré arrasta,
ardem-nos a areia revirada
e as conchas partidas.
Não dormimos mais
ao vento —
despertamos, fugindo
ao portão da cidade.
Arranquem —
arranquem um altar pra nós,
puxem os rochedos,
empilhem-nos com pedras brutas —
não dormimos
mais ao vento,
propiciem-nos.
Entoem um ululuar
que nunca cessa,
tracem um círculo e homenageiem
com uma canção.
Quando o rugir da vaga em queda
a interromper,
jorre medido o verbo
de águias-marinhas e gaivotas
e aves marinhas clamando
discórdias.
Entardecer
A luz passa
de crista em crista
de flor em flor —
as hepáticas, abertas
sob a luz
vão sumindo —
as pétalas se introvertem,
as pontas azuis se curvam
ao mais azul do seu âmago
e as flores se perdem.
Ainda brancos os cornisos em botão,
mas sombras se lançam
das raízes dos cornisos —
rasteja o negror de raiz em raiz,
cada folha
corta outra folha no capim,
sombra segue sombra,
e tanto folha quanto
sombra-de-folha se perdem.
Violeta do mar
A violeta branca
é perfumada na haste,
a violeta-do-mar,
feito ágata, frágil,
jaz de frente a todo vento
entre as conchas rotas
na areia da barra.
Grandes violetas azuis
pairam na colina,
mas quem daria por elas
quem daria por elas
uma raiz das outras que fosse?
Violeta
frágil te agarras
à borda da barra,
mas pegas a luz —
geada, um astro bordeja em seu fogo.
Noite
A noite cindiu
uma doutra
e enrugou as pétalas
de volta à haste
e bem enfileiradas embaixo dela;
embaixo em ritmo inquebrantável,
embaixo até partir-se a casca,
e até cada folha curvada
ser arrancada da haste;
embaixo em ritmo grave,
embaixo até as folhas
se recurvarem
até caírem sobre a terra,
e até estarem todas partidas.
Ó noite,
toma as pétalas
das rosas na mão,
mas deixa o carpelo firme
da rosa
a perecer no ramo.
(poemas de Hilda Doolittle, todos com ESPETACULAR tradução de Adriano Scandolara)
PAPOULAS DE MAR
Casca de âmbar
estriado de ouro,
fruto na areia
marcada com um grão abundante,
tesouro
derramado próximo dos arbustos de pinheiros
para alvejar nos penhascos:
teu talo enredou raiz
entre seixos molhados
e a rede arremessada ao mar
e conchas raspadas
e búzios rachados.
Formosa, estendida amplamente,
fogo sobre a folha,
que campina produz
tão fragrante folha
como tua brilhante folha?
OS MISTÉRIOS PERMANECEM
Os mistérios permanecem,
sigo o mesmo
ciclo do tempo da semeadura
e o sol e a chuva;
Demeter na grama,
multiplico,
renovo e bendigo
Baco na vinha;
sustento a lei,
abraço os mistérios verdadeiros,
o primeiro destes
a nomear os mortos entre os vivos;
sou o vinho e o pão.
Abraço a lei,
sustento os mistérios verdadeiros,
sou o vinho,
as ramas, vós
e vós.