Começo esta resenha já deixando claro: poesia não é o meu forte. Existe uma sensibilidade e delicadeza neste tipo de narrativa que posso não ser capaz de captar. Por isso, estou me desafiando a ler mais, começando pelas prosas poéticas. Me deleitei com O peso do Pássaro Morto, de Aline Bei, e agora me entreguei ao Baile dos Continentes, de Clarisse Zarvos, publicado pela Editora Patuá.
Nesta narrativa, pequena, mas complexa, nossa narradora fica presa em um supermercado por causa de uma enchente e começa a devanear (ou lembrar?). Quando percebemos, ela está presa em uma ilha. Mas não sozinha, há alguém ali com ela, outra mulher. E elas começam a explorar aquele lugar, juntas.
Obviamente, já estive em uma ilha parecida, talvez todos e todas nós estivemos. Uma tragédia, um amor não correspondido, um luto, o tédio do cotidiano, nos levam a nos isolar. Mas, ao mesmo tempo, talvez a gente ainda possa ter prazer:
Impressionante como no meio disso tudo
a gente ainda consiga pensar em
risada de amigo, alta madrugada, beijo na boca
é impressionante como no meio disso tudo
a gente ainda consiga ter
todo esse fogo no rabo
A poesia me fez gargalhar. Ponto para ela! Mas também me faz chorar. Pensar no passado, no presente e no futuro. Talvez examinar: será que devo, e mereço, sair dessa ilha? Talvez eu seja obrigada a sair dela. Mas eu quero? Talvez haja esperança. Se as distopias são tão palpáveis, por que não as utopias também não podem ser?
Não sei muito bem o que isso quer dizer
mas achei melhor anotar
para não esquecer
e não desistir.
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Baile dos Continentes também me faz pensar: quem sou eu? Para que existo? Por que não me aceito como sou, com todos os defeitos, qualidades e ansiedades? É uma verdadeira dança entre pensamentos e reflexões. Nossa narradora, que parece discípula de Sartre, ainda se questiona:
[…] por que será que o fato de simplesmente
permanecer e ser
nos causa tanto incômodo?
Ah, se eu soubesse a resposta… Se alguém soubesse. Mas ela não existe.
Estivemos todos presos em casa, em nossas ilhas físicas particulares, durante um ano na pandemia, e ansiávamos tanto pela liberdade. Hoje, talvez ainda estejamos presos, mas não percebemos. Ilhas emocionais, pessoais, profissionais, relacionais, familiares. Podemos estar isolados ou acompanhados, porém, desejamos por algo mais.
Será que estou captando a profundeza da poesia? Talvez. Mas Clarisse Zarvos com certeza conseguiu oferecer algo com a qual não estou acostumada. Entre metáforas e uma narrativa que beira ao realismo fantástico, fui transportada para uma ilha durante algumas horas e me entreguei a versos e estrofes.