Amós Oz (1939-2018) foi um dos mais renomados escritores e intelectuais da contemporaneidade, com uma extensa obra literária formada por romances, ensaios e artigos, publicada em 40 países, sendo um dos autores israelenses mais traduzidos no mundo. Atuou como professor e pesquisador, além de ter sido um dos fundadores e principal representante do Movimento Paz Agora, organização não governamental com o objetivo de pacificação por meio da solução de dois Estados para o conflito entre Israel e Palestina. Estão entre alguns dos títulos publicados: A caixa-preta, Judas, De amor e trevas, Meu Michel, O mesmo mar, entre outros.
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O livro Como curar um fanático reúne ensaios curtos de palestras e discursos proferidas pelo escritor na França e na Alemanha e uma entrevista realizada em 2012. Além de discutir sobre a relação entre Palestina e Israel, também reflete sobre o fanatismo e a intolerância.
Segundo o autor, o aumento do fanatismo pode estar relacionado com o fato de que cada vez mais as pessoas anseiam por respostas simples para questões complexas. Ele destaca que a imaginação, a curiosidade e, em especial, o senso de humor influenciam no combate ao fanatismo. Salienta, inclusive, a importância da literatura e da arte. A boa literatura seria capaz de criar empatia, permitir conhecer outros mundos e a diversidade das culturas, colaborando para a aceitação do outro e para a convivência com as diferenças.
Confira algumas citações do livro:
“Permitam-me sugerir que a curiosidade, juntamente com o humor, são dois antídotos de primeira linha ao fanatismo. Fanáticos não têm senso de humor, e raramente são curiosos. Porque o humor corrói as bases do fanatismo, e a curiosidade agride o fanatismo ao trazer à baila o risco da aventura, questionando, e às vezes até descobrindo que suas próprias respostas estão erradas.”
“A característica que define a boa literatura, ou arte, é a capacidade de fazer se abrir um terceiro olho em nossa testa. Que nos faça ver coisas antigas e batidas de um modo totalmente novo.”
“A literatura ruim não vai fazer se abrir um terceiro olho. Vai simplesmente repetir o que já sabemos, e nos mostrar apenas o que já vimos. O que a literatura ruim efetivamente faz é fixar o punhado de clichês morais e psicológicos que a fofoca nos inflige. Sim, a fofoca é prima da literatura de má qualidade, embora a literatura tenha vergonha desse parente e não o cumprimente quando se cruzam na rua. A fofoca também é uma filha da curiosidade. Mas a fofoca ama os clichês, que adora reiterar nossos preconceitos e nos assegurar de que tudo e todos continuam a ser a mesma coisa. A boa literatura faz o oposto da fofoca: ela nos conta algo que não sabíamos, sobre nós mesmos e sobre os outros. Ou algo que não queríamos saber. Porque, enquanto a fofoca se basta com a profundidade da pele, a literatura consegue às vezes realizar o milagre de cavoucar sob a pele. E enquanto a fofoca pretende nos agradar e lisonjear, a literatura tenta nos perturbar.”
“Quando se trata dos fundamentos do conflito árabe-israelense, em particular dos conflitos entre palestinos e israelenses, isso tudo não é tão evidente. E temo que isso não se torna mais fácil se dissermos simplesmente: esses são os anjos, esses são os demônios, basta apoiarem os anjos e o bem prevalecerá sobre o mal. O conflito israelo-palestino não é um filme do Velho Oeste. Não é a luta do bem contra o mal, é antes uma tragédia no mais antigo e mais preciso sentido da palavra […]”
“Carecemos de senso de justiça, mas também de senso comum, necessitamos de imaginação, de uma profunda habilidade de imaginar o outro, às vezes nos pondo no lugar dele. Precisamos de uma aptidão racional para o compromisso e às vezes para fazer sacrifícios e concessões, mas não temos de cometer suicídio em nome da paz.”
“[…] uma reflexão sobre este verso sublime do poeta inglês John Donne: “Nenhum homem é uma ilha”. A isso, ouso acrescentar: nenhum homem é uma ilha, mas cada um de nós é uma península: em parte conectado com a terra firme da família, da sociedade, da tradição, da ideologia etc. — e em parte voltado para os elementos, sozinho e em silêncio profundo. Penínsulas é o que somos — e nos deve sempre ser permitido continuarmos a sermos penínsulas. Eu me ressinto daqueles que ficam pressionando cada um de nós a sermos não mais do que uma molécula sem rosto de alguma terra firme, alguma terra prometida, algum reality show, algum paraíso de extremistas — tanto quanto me ressinto dos que estão tentando nos tornar um arquipélago de ilhas isoladas, cada uma mergulhada numa solidão eterna e numa perpétua luta darwinista com todos os outros. Nós, humanos, pertencemos uns aos outros, mas não da maneira dos fanáticos, e não da maneira comercialmente infantil. Pertencemos uns aos outros no sentido às vezes atingido na boa literatura: no dom da curiosidade, na aptidão para imaginar a vida na pele de cada um dos outros.”
“Em minha concepção, o contrário da guerra não é o amor, e o oposto da guerra não é a compaixão, e o avesso da guerra não é a generosidade ou a fraternidade ou o perdão. Não, o contrário da guerra é a paz. As nações devem viver em paz. Se eu vir em minha vida o Estado de Israel e o Estado da Palestina convivendo um ao lado do outro como vizinhos decentes, sem opressão, sem exploração, sem derramamento de sangue, sem terror, sem violência, ficarei satisfeito mesmo se o amor não prevalecer.”
“O fanático é a menos egoísta das criaturas. O fanático é um grande altruísta. Frequentemente o fanático está mais interessado em você do que nele mesmo. Ele quer salvar sua alma, quer te redimir, quer te livrar do pecado, do erro, de fumar, de sua fé ou de sua falta de fé, quer melhorar seus hábitos alimentares, ou te curar da bebida ou de sua preferência na hora de votar. O fanático se importa muito com você, ele está sempre pulando em seu pescoço porque te ama de verdade, ou então está em sua garganta caso demonstre ser irrecuperável.”
“De um modo discreto, de maneira cautelosa, acredito que a imaginação pode servir como uma imunidade parcial e limitada ao fanatismo. […] Quanto a isso, gostaria de poder lhes dizer que a literatura é a resposta, pois nela consiste um antídoto para o fanatismo ao injetar imaginação nos seus leitores. Gostaria simplesmente de receitar: leia literatura e você vai se curar de seu fanatismo. Infelizmente, não é tão simples. Lamentavelmente, muitos poemas, muitas histórias e dramas através da história têm sido usados para inflamar o ódio e inflamar uma autopercepção de sua suposta justiça nacionalista. No entanto, há certas obras literárias que, acredito, possam nos ajudar em certa medida. Elas não realizam milagres, mas são capazes de auxiliar.”
“O senso de humor é uma grande cura. Nunca vi em minha vida um fanático com senso de humor, nem nunca vi uma pessoa com senso de humor tornar-se um fanático, a menos que ele ou ela tenha perdido o senso de humor. Fanáticos são frequentemente sarcásticos. Alguns deles têm um senso de sarcasmo muito agudo, mas não de humor. O humor encerra em si a capacidade de rirmos de nós mesmos. Humor é relativismo, humor é a aptidão para ver a si mesmo como os outros o veem, humor é a capacidade de perceber que, não importa quão justo você é, e como as pessoas têm sido terrivelmente erradas em relação a você, há um certo aspecto da vida que é sempre um pouco engraçado.”
“[…] Se não conseguirmos vencer o fanatismo, talvez possamos ao menos contê-lo um pouco. Como eu disse, a capacidade de rir de nós mesmos é uma cura parcial, a capacidade de nos vermos como os outros nos veem é outro remédio. A capacidade de existir em situações em aberto, até mesmo aprender a desfrutar de situações em aberto, aprender a desfrutar da diversidade, também pode ajudar.”
Sinopse: O romancista Amós Oz cresceu na Jerusalém dividida pela guerra, testemunhando em primeira mão as consequências perniciosas do fanatismo. Em dois ensaios concisos e poderosos, o autor oferece uma visão única sobre a natureza do extremismo e propõe uma aproximação respeitosa e ponderada para solucionar o conflito entre Israel e Palestina. Ao final do livro há ainda uma contextualização ampla envolvendo a retirada de Israel da Faixa de Gaza, a morte de Yasser Arafat e a Guerra do Iraque. A brilhante clareza desses ensaios, ao lado do senso de humor único do autor para iluminar questões graves, confere novo fôlego a esse antigo debate. Oz argumenta que o conflito entre Israel e Palestina não é uma guerra entre religiões, culturas ou mesmo tradições, mas, acima de tudo, uma disputa por território – e ela não será resolvida com maior compreensão, apenas com um doloroso compromisso. Não se trata, argumenta Oz, de uma luta maniqueísta entre certo e errado, mas de uma tragédia no sentido mais antigo e preciso do termo: uma batalha entre o certo e o certo. Sem temer a polêmica, o livro apresenta argumentos precisos favoráveis a uma solução que acomoda dois estados nacionais diferentes e também realiza um diagnóstico sutil sobre a natureza do fanatismo, calcada na predominância dos sentimentos sobre a reflexão. Esclarecedor e inspirado, Como curar um fanático é uma voz de sanidade em meio à cacofonia das relações entre Israel e Palestina – voz que ninguém pode se dar ao luxo de ignorar.
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Confira uma palestra de Amós Oz no lançamento do livro Mais de uma luz, no Brasil, em 2017: