O escritor uruguaio Eduardo Galeano, certa vez, declarou: “os cientistas dizem que os humanos são feitos de átomos, mas a mim um passarinho contou que somos feitos de histórias”. Assim, começo refletindo sobre o livro “eu me amo (eu acho)”, da escritora e publicitária gaúcha, radicada em São Paulo, Sabrina Guzzon, lançado recentemente pela Editora Paraquedas.
Numa escrita intimista e corajosa, a narradora relata encontros, desenlaces, dissabores, angústias, abusos, frustrações, percalços, traumas, reconciliações e recomeços.
“Eu me amo (eu acho)” é um livro que, embora siga uma “forma não linear”, como expressa a nota da autora, é possível perceber, com o avanço da leitura, que as narrativas evoluem dando uma perspectiva que tenta reorganizar os eventos. Mesmo que isso pareça mais um processo inconsciente, é essa dinâmica que vai conduzi-la em busca do autoconhecimento e da autoaceitação.
Cada capítulo apresenta uma história que remete a diferentes fases da vida reunidas em uma série de experiências. Ao mesmo tempo em que expõe as inseguranças e medos da infância, reconecta os leitores às dúvidas e anseios da juventude, mas que, ao final, alcança a maturidade emocional e a serenidade, tantas vezes almejada, da fase adulta. Observa-se, em poucas ocasiões, uma infância que passou assustadoramente depressa e uma adolescência que exigiu tomada de decisões e independência precoces. E, hoje, revela-se como uma mulher segura, determinada e preparada para novos desafios.
Com um tom confessional, a narradora conta fatos e detalhes de experiências, criando um vínculo de proximidade e cumplicidade com os leitores. Para isso, os trechos de canções e os desenhos que acompanham a abertura dos capítulos desempenham esse papel. Eles são capazes de envolver a leitura numa aura de magia que se conecta na mesma sintonia da narradora. A trilha sonora funciona como um fio condutor das narrativas, mas também como uma forma de contato com o leitor, já que ela utiliza esse recurso para manter uma conversa “mais íntima, interativa e menos séria”. Diante disso, torna-se natural que o leitor se reconheça em uma história, uma frase ou um sentimento em comum, como se ocorresse um diálogo com um(a) amigo(a) de longa data.
A escrita como cura, libertação e redenção
Explorar os fatos por meio da escrita é uma maneira de recordá-los e fazer uma releitura das experiências, acrescentando maior consciência crítica e capacidade de discernimento do que havia no passado. À medida em que os fatos vão sendo reorganizados e registrados, há um desprendimento, uma externalização e uma assimilação dos episódios, de modo que se torna possível identificar os próprios limites e redimensionar quais são as suas prioridades no presente.
“Acredito que escrever também é uma forma de expor e, por que não, curar algumas dores. Todas as histórias merecem um final feliz.” (nota da autora)
Vale sempre lembrar que a vida não vem com manual de instrução. Ela é um mosaico que vai sendo construído com o tempo por experiências, amores, vivências, sensações, perdas, frustrações, tentativas, erros, acertos, tropeços e muito mais.
Compreender que a busca pela aceitação e completude não está no outro, mas sim no interior, é um grande passo ao autoconhecimento, embora o processo seja lento, difícil e precise de vigilância constante. Aos poucos, percebe-se nas narrativas que a autoestima e o autocuidado são requisitos essenciais para superar frustrações, enganos, mágoas e culpas.
A narradora lembra, em diversos momentos, que escrever é um exercício diário de autorreflexão para que se possa exorcizar os fantasmas que insistentemente rondam diante da insegurança e das críticas.
“Muitos fatos são mais fáceis de serem exorcizados apenas ao escrever. Esse exercício também é um jeito de me livrar do lado ruim de certas histórias” (p. 38).
Escrever também pode ser libertação, superação, redenção ou cura, mas, acima de tudo, em “eu me amo (eu acho)” é uma forma de a narradora fazer as pazes com o passado, reconciliando-se com a sua versão anterior. Mesmo que hoje as escolhas possam parecer inconsequentes, elas foram necessárias para que se expandisse sua apreensão do mundo.
“Colocar histórias no papel é ter a capacidade de encará-las e sorrir para o passado. É abraçar nossa versão anterior com amor e nos fazer aquele carinho que, talvez, tenha nos faltado” (p. 27).
Aceitar aquilo que não se pode mudar, acreditar nos sonhos sem a inocência da criança e sem a impulsividade da juventude, mas com a consciência de que as experiências e as decisões são aprimoradas a todo momento e outras oportunidades inesperadamente podem surgir.
Por fim, ouso complementar Galeano: “somos feitos de histórias” sim, no entanto, no âmago, também somos feitos de memórias, aprendizados e afetos, conforme demonstra o livro “eu me amo (eu acho)”.
Especificações:
Autora: Sabrina Guzzon
Editora: Paraquedas
Gênero: Não ficção
Formato: 21 x 14
Páginas: 166
ISBN: 9786584764873
Peso: 0.3
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