Acredito que a criação de editoras independentes voltadas para a literatura produzida por mulheres seja, antes de tudo, um ato importante para fortalecer, encorajar e manter o nosso lugar nesse espaço tão estabelecido historicamente por homens brancos heterossexuais. Mulheres como Narcisa Amália, Julia Lopes de Almeida e Albertina Bertha sofreram apagamento sistemático e mal figuram os compêndios literários.
Hoje, temos a ressurreição do nome de Julia Lopes de Almeida graças aos esforços de estudiosas que se empenham em um resgate literário necessário, como a professora e pesquisadora Anna Faedrich, quem, inclusive, publicou o livro “Escritoras silenciadas” (Macabéa Edições, 2022), em que costura as adversidades da escrita literária dessas três escritoras. Lúcia Machado de Almeida, Henriqueta Lisboa e Clarice Lispector (sim, Clarice Lispector!) também são alguns dos muitos nomes de mulheres que tiveram que enfrentar frustrações com relação a repercussão e publicação de suas obras, como aponta a professora e pesquisadora Ana Elisa Ribeiro em seu livro “O ar de uma teimosia” (Macabéa Edições, 2020).
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Hilda Hilst enfrentou durante praticamente toda a sua vida a dificuldade de ser publicada, de ser devidamente reconhecida e notada, inclusive, pela editora que a publicou postumamente, depois de se tornar um cânone literário.
Nós, mulheres escritoras, não estamos em maioria ou em equiparação aos homens nas ementas dos cursos de Ensino Superior, tampouco nos anos letivos do Ensino Médio. Apesar disso, estamos rompendo a barreira do machismo literário, pouco a pouco, ano após ano, devido à muita luta nesse âmbito. Com o movimento do #leiamulheres aqui no Brasil em 2015 (e no exterior em 2014), começamos a ter um olhar mais atento à produção de literatura feita por mulheres. Foi a partir dessa época que nomes como Carolina Maria de Jesus e Maria Firmina dos Reis, duas escritoras negras, foram resgatados de um apagamento de décadas (no caso de Carolina) e de séculos (no caso de Maria Firmina).
Nos últimos anos, o tema “revisão do cânone literário” tem surgido nas ementas dos cursos de graduação e pós-graduação em Letras, sinal de que o olhar voltado a esses questionamentos, de pesquisadoras como as citadas anteriormente, e como Constância Lima Duarte (quem cunhou o termo “memoricídio” para falar do apagamento histórico e sistemático da literatura produzida por mulheres) tem surtido grande efeito como movimento instituinte dentro dessas instituições de ensino, até então, muito engessadas.
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Ora, se até Clarice Lispector e Hilda Hilst enfrentaram dificuldades em vida para publicar e fazer circular seus textos, o que não enfrenta ainda hoje uma escritora pouco conhecida? Acredito que o papel de editoras independentes que publicam somente mulheres, como a Macabéa, Luas, Claraboia, Aliás, Quintal entre outras – e muitas outras que ainda virão – é o de justamente tornar acessível a publicação e a circulação dessas obras para que elas não dependam da atenção de grandes editoras e da grande mídia, porque sabemos que é algo extremamente desafiador para uma autora “iniciante/independente” figurar esses espaços.
Por fim, não acredito que essas editoras estejam disputando territórios e autoras, pelo contrário, encaro a criação e a manutenção dessas iniciativas como um verdadeiro abraço coletivo de muitas mulheres que voltam seu trabalho, energia e disposição para que cada vez mais mulheres sejam publicadas e lidas, afinal, “Por muito tempo na história, ‘anônimo’ era uma mulher” (Virginia Woolf).
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Texto de Bianca Monteiro Garcia
Bianca Monteiro Garcia é editora da Macabéa Edições e da Taioba Publicações, formada em Letras e especialista em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É também revisora e professora. Coministrou a oficina “Literatura e loucura: Maura Lopes Cançado, Lima Barreto e Stella do Patrocínio”, na Coart/UERJ. Pesquisadora independente de poesia contemporânea escrita por mulheres, tem poemas e entrevistas publicadas em revistas e plataformas digitais. Participou de podcasts de literatura, como o “Rabiscos” e o “Falando em poesia”, do portal Fazia Poesia, e concedeu entrevista para a rádio Roquette-Pinto, no quadro “Conversas na livraria”. breve ato de descascar laranjas é seu livro de estreia, publicado pela Macabéa Edições em parceria de coedição com a editora 7letras, em maio de 2023.