História para matar a mulher boa mostra a que veio logo no título. Helena, a protagonista, assim como as mulheres da trama, é um só novelo cujo fio é urdido por Ana Johann com domínio da imagem e do tom. As situações nas quais Helena é enredada se repetem por gerações, e são imobilizadoras justamente porque o segredo da repetição é não deixar narrar. Mas a pressão para repetir as mesmas histórias, neste romance, encontrará desvios.
Nesta trama em que a personagem Helena é narrada para não morrer, como Sherazade, é também aquela que tece seu próprio tapete e assumirá a própria voz. Iniciamos a trama na Vila dos Hoffmann, verdadeiro ‘’mostruário de gestos’’ a partir da qual as mulheres se movimentam sem conseguir habilitar a disciplina da liberdade. Logo no início, lemos: “pra que inventar coisas novas se as que existem funcionam? — respondia a mãe’’.
No percurso, acompanhamos os assombros que rondam Helena, a sexualidade, maternidade, vida profissional, a violência, a medida da entrega, sempre o mundo a recebendo não como hóspede, mas uma visita que precisa saber se comportar.
Para poder conhecer um pouco mais sobre o livro, fizemos uma breve entrevista com Ana Johann falando dos pontos que mais chamaram atenção na obra. Em relação a questão do ato de narrar remetendo à figura de Sherazade, ela afirma que “existe uma cultura de narrar e um modo de enquadrar as mulheres por gerações.”
Segundo, a autora, isto está no nosso cotidiano, nos filmes e nas novelas: “Algumas mulheres já questionaram essa estrutura em outras épocas como a própria Virginia Wolf em “Um teto só seu”, mas só mais recentemente é que algumas mulheres e nem todas estão tendo consciência dessa condição, que nossas vidas foram moldadas e narradas, como quem lê um livro ao pé da cama para uma criança para a sua formação”, afirma.
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E completa: “Formar e manter o que já existe, uma cultura de mulheres fazendo os papéis que os homens não querem – cuidado da casa, das crianças, dos idosos, trabalhar por salários e oportunidades nem sempre compatíveis. Isso é um plano muito antigo e que já nasce em 350 antes de cristo, onde a mulher precisava cuidar dessa economia doméstica para o homem prosperar. Pois bem, evoluímos em algumas questões, mas mesmo assim me deparo com mulheres que trabalham fora e parecem independentes, mas continuam acumulando as tarefas de cuidado e não se colocando como prioridade em suas vidas.”
“Narrar para não morrer” está como um paradoxo, ao mesmo tempo a protagonista Helena, precisa entender a sua história e suas memórias e decifrá-las marrando-as para outras mulheres e para si mesma para não morrer de solidão frente a mundo onde nos querem ver mortas mesmo. Em 2022 a cada 6 horas uma mulher foi morta por questão de gênero, sem contar que este é um tipo de morte, existe o cerceamento do espaço, a manipulação e todo o poder sobre nossos corpos.
Ana Johann
A seguir, perguntamos sobre os movimentos que impedem as suas histórias de andar e como fazer da repetição diferença. Johann disse partir do pressupostos de que “há um mostruário de gestos que aprendemos nesta cultura de um cardápio pronto de histórias para as mulheres se conformarem com os seus papéis”, afirma. Deste modo, ela observa que seus trabalhos mais recentes e principalmente o seu longa de ficção, “A mesma parte de um homem”, discutem “gênero e sexualidade porque pra ela:
“não é possível discutir gênero sem passar por essa temática uma vez que o desejo para as mulheres foi negado, estou falando do desejo da carne, do orgasmo, mas podemos estender para quaisquer outros”, destaca.
E completa:
Nesse sentido a busca da personagem, mesmo que atolada num lodo de memórias e questões familiares, quer descobrir mais sobre seu próprio corpo, porque só a partir disso habilitará outras liberdades. Nesse sentido, já dando um spoiler, a vida de Helena é narrada por alguém até quando ela começa a entender que história é essa que está sendo narrada para si e toma as rédeas da própria narração. Quem narra o quê? Nesse sentido também estou disposta a discutir as estruturas que nos narram e moldam e por isso o “segredo da repetição” é não deixar que as mulheres narrem por si só suas histórias.
Neste potente romance de estreia, Ana Johann nos entrega não só Helena, mas a pergunta que nasce diante da repetição dos mesmos gestos: “você precisa, o quê?”
Texto de orelha escrito por Andrea Del Fuego
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Sobre a autora
Ana Johann nasceu em 1980, é escritora-roteirista e diretora. Tem especialização em documentário pela Universidade de Barcelona e é mestra em Cinema. Dirigiu e roteirizou sete filmes. Com o longa A mesma parte de um homem (2021) Ana ganhou os prêmios de destaque feminino “Helena Ignez” no 24o Festival de Tiradentes, o de melhor roteiro original da Abra (Associação Brasileira de Autores Roteiristas), em 2022 e o de melhor filme no riff Awards Roma. História para matar a mulher boa é sua estreia na literatura.