Voltar para natureza para encontrar um futuro possível. Olhar para a ancestralidade para encontrar onde perdemos as rotas de uma vida melhor. Tudo isto através de performance artística e gestos do corpo como uma política incomparáveis. Esta é a trajetória de Rosa Paiva, multiartista que admiro e acompanho pelas redes. Agora, felizmente, podemos acompanhar também através das canções.
Chega ao mundo “Banquete”, single da cantora-compositora e diretora artística Rosa Paiva, residente em Sorocaba, em parceria com o produtor musical Eric Hess. Se fosse descrever este “Banquete”, poderia dizer que é uma mistura entre a possibilidade de dançar como se mergulha em um rio, ou de frequentar uma festa como se embrenha em uma mata.
É nessa mistura entre urbano e matagoso que encontramos um estilo dançante sem deixar de lado o tom político. Em seu trabalho, ela vai combinando elementos orgânicos, sintetizadores e bateria eletrônica, num pop alternativo com toques de r&b moderno. Perguntamos à artista quem é que está convidado para esse seu “Banquete”. Sua resposta, faz a gente entender muito de sua trajetória ética e artística.
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“A mesa está posta! Estendo o convite para partilharmos desse Banquete à todes aqueles que desejam ver esse sistema de propriedade completamente destituído. Participam desse banquete os oprimidos de todas as frentes, os povos originários, quilombolas, as bichas, as gays, lésbicas, não binários, travestis, mulheres, transmasculines, transfeminines, as mães e as putas, militantes ativos, comunistas, socialistas, anarquistas, utópicos, sonhadores. gente que tem fome de liberdade. Esse Banquete é um ritual de banimento do sistema colonial que ainda perdura, é a carne dos assassinos, latifundiários, burocratas, ruralistas, fundamentalistas religiosos, da velha política fascista, racista, assando em fogo alto na Praça da República”, conta Rosa Paiva
Rosa Paiva: uma defesa musical dos povos indígenas
O debut de Rosa Paiva surge como uma resposta aos crescentes ataques aos direitos da terra e assassinatos de lideranças indígenas e ambientalistas. A artistas nos propõem uma inversão: e se os mitos canibalistas criados sobre os nossos ancestrais indígenas fossem encenados? E se armássemos um churrasco de nossos algozes na praça da República?
Remontando às antigas ilustrações dos povos tupinambás que circularam a Europa no período colonial, “Banquete” nos convida ao deboche, a imaginar como seria uma vida em que Eva não tivesse um dedo apontado sobre seu rosto, em que o patriarcado não tivesse criado ferramentas de separação, individualização e divisão da terra.
Veja o clipe aqui:
Uma artista também dos livros: “Em pele de folha, rio me criou”

Além de artista musical, Rosa Paiva também escreve e embora pareçam caminhos paralelos, seu livro e sua música conversam. “Em pele de folha, rio me criou” é a poesia que toma voz em livro lançado em 2022, pela editora Urutau.
Nessa performance em versos, caminhamos pelos rastros de nossos ancestrais humanos e não-humanos, na tentativa de transpor em palavras as múltiplas crises orquestradas pela ferida colonial, nesse território-cemitério que chamamos Brasil. Num desejo de reativar a palavra em sua potência de germinar futuros, “Em pele de folha, rio me criou” vai das sementes às montanhas, numa relação íntima com a carne da terra. Conheça um poema:
eu
sudaca
pingando
urucumeu
uma fenda entre as pernas
uma fome de onça
um choro engasgadoum voo
oceânicouma gota
na terranasci
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