Hoje vou falar sobre Latim em Pó, um passeio pela formação do nosso português, do Caetano Galindo, publicado pela Companhia das Letras.
Veja na versão em vídeo aqui:
Esse livro é uma aula super didática e fluida sobre como o português brasileiro chegou a ser o que é hoje. Antes de falar sobre o livro, legal frisar que a linguagem é uma manifestação da realidade, é como nosso cérebro reconhece uma experiência e coloca-a no mundo e a uniformização da comunicação é uma forma de todo mundo estar na mesma página, portanto é uma pauta importantíssima a ser debatida.

De forma muita resumida e linear (que ainda vou falar mais a frente) nosso português surgiria a partir português europeu, este que surge do Latim, que surgiu do itálico e que surgiu do indo-europeu. Nessa minha resenha, não vou voltar tão no passado assim, vou ficar em uma história mais breve. O Latim tem variações, como o latim arcaico, o latim vulgar, o latim culto e o romance, que nascem de uma mesma língua-mãe e serviram de base para o surgimento de outras novas línguas, que se interligam a diversas outras, dando origem a novas palavras, expressões e por aí vai.
Uma curiosidade interessantíssima que serve de ponto de partida para o estudo que Caetano promove é de que o Latim que originou o nosso português não foi aquele falado pelos nobres e cultos, mas sim do Latim Vulgar. Vulgar que significa popular e que viajou dos países colonizadores para países colonizados.
Já dizia Caetano Veloso na música “Língua”, magistralmente cantada ao lado da diva Elza Soares: “e quem há de negar que esta lhe é superior? E deixe os Portugais morrerem à míngua”.
E assim podemos pensar em toda a construção de outras novas línguas, é sempre uma história de muito sangue e suor aqui na América Latina. Caetano faz uma provocação aqui na página 80 “que tipo de camada da sociedade estaria mais propensa a recomeçar a vida num lugar inóspito e cheio de incertezas, a abandonar o que tem e enfrentar o desconhecido numa aposta de futuro?” e eram essas camadas que eram designadas a povoar as colônias, as mais pobres e que não empregavam a norma culta da língua, por isso que hoje quando olhamos para essas outras línguas e buscamos associações rápidas, encontramos discrepâncias, que vou chamar de variações, entre sua forma e o nosso português.
Lendo Latim em Pó, podemos perceber que a língua não é constituída através de uma única língua-mãe, mas que vivemos em um mundo onde várias sociedades e culturas se encontraram e geraram novas palavras, variações de uma mesma palavra. Como o já conhecido Vossa Mercê que hoje já virou “cê” na comunicação oral e, no meio digital, algumas pessoas escrevem apenas a letra “c”.
Estudar a origem da nossa língua é entrar em contato com a nossa história. Entender os desvios da língua significa perceber que os estudos da linguagem nas escolas primárias deveria ser mais passível de ajustes e gerar mais gosto pelo aprendizado. Os jovens precisam reconhecer o que é aprendido dentro da sala de aula como parte da sua realidade e não como um universo completamente diferente do seu.
Leia também: A canção “Língua” de Caetano Veloso – um minucioso tratado da Língua Portuguesa

Vivemos em um país com 27 unidades federativas e mais de 5.500 municípios. Portanto, é uma tarefa impossível que apenas uma norma culta seja aceita como o tal “falar correto” e injusto que isso serva de teste capacitivo para a inclusão social e econômica. Como vimos no exemplo Vossa Mercê, podemos nos questionar sobre unanimidade do emprego de “tu” e “vós” no Brasil, assim como pede a norma culta.
Sabemos que não funciona bem assim, portanto, por que seria tão absurdo a gente aceitar outras mudanças na língua que já se modifica há tantos milênios. Hoje, o que conhecemos por português brasileiro, precisou nascer de uma junção ou colisão entre linguagens diferentes, isso desde que o mundo é mundo. Tem muito assunto a ser debatido, mas é fato que é necessário que a gente reveja a proposta dos estudos acerca da língua hoje em vigência no Brasil.
Minha sugestão é começar com a leitura de Caetano Galindo, não precisa ser um estudioso da língua para se conectar com essa parcela da nossa cultura, ainda mais depois de uma trajetória cíclica de tragédias políticas que insistem em nos afastar de tudo quanto é patrimônio nacional, em todas as suas variações.
Ouça sobre Latim em Pó em podcast aqui: