Os 10 melhores poemas de Cida Pedrosa

Você conhece os melhores poemas de Cida Pedrosa? Cida é a primeira mulher pernambucana a levar a principal categoria da premiação mais importante da literatura nacional, além de visibilizar a literatura fora dos grandes centros urbanos brasileiros. 

Concorreu, pela primeira vez, ao Jabuti. A sertaneja já tinha sido finalista do Prêmio Oceanos de Literatura, com o livro “Claranã”, em 2016.  Ao todo, são dez livros publicados, nos quais sempre figuram as questões sociais, a mulher, a dimensão humana, o espaço. Destacam-se As Filhas de Lilith”, “Claranã”, “Solos para Vialejo”.  Na última obra “Estesia”, lançada em formato digital, Cida abordou a pandemia da Covid-19 e mostrou o Recife em tempos de incertezas e agravamento de problemas conhecidos pelos moradores da cidade, como a fome, a precarização do trabalho e a solidão. Veja a biografia completa aqui!

O NotaTerapia separou os 10 melhores poemas de Cida Pedrosa. Confira:

patricia

é especialista em filhos
deveria ser contratada
para reclames de televisão
e os jornais poderiam colher depoimentos
sobre como ensinar uma empregada
a engomar 10 fraldas de uma única vez

teve 3 filhos

jéssica marina e victor júnior


sabe tudo sobre febre e papinhas cocozinhos risinhos
bonequinhas carrinhos palhacinhos sapatinhos joguinhos
roupinhas festinhas de aniversário letrinhas numerozinhos
velocípedes curso de férias esporte queda de bicicletas
matemática português história geografia cidadania
aula de reforço amigos indesejáveis lan house
passeios aos shopping conga de telefone alta
comprimidos de ecstasy

patrícia é especialista em filhos
mas não sabe o que fazer com o piercing que jéssica
pôs nos grandes lábios
o amor de marina por felipa
e a decisão de victor júnior não seguir a carreira do pai
junto à empresa victorvictoria

Capa do livro de Cida Pedrosa

tereza

mãos enormes

as de Geraldo

tào grandes que náo cabem

no corpo magro de tereza

quando se casaram

tinham planos de comprar uma casa

de varanda

e passar uma semana em bariloche

neste tempo

os peitos de tereza

cabiam inteiros nas mãos de geraldo

mãos enormes

as de geraldo

tão grandes que se espremem nas algemas

e não podem mais acenar para tereza

que nesta hora é conduzida

no carro do IML

para exame de corpo de delito

sob suspeita de estrangulamento

****

parto em busca de ti

negro

ser negro

ser negro

ser parto em busca de mim

o som

o som

o som

trago o algodão na alma

o sol

o sol

o sol

tirar da flor a seda branca

: pesa

pesa

pesa

flor árida

flor árida

flor árida

o fardo da minha infância

***

sol a sol

sol sustenido

terra e sal

céu e sol

tirar da flor

a seda branca

***

fotografia de guerra

o menino de camisa vermelha e sapatinhos

marrons estirado na areia do mar gélido da

Turquia migrou para a palavra e se afogou

no meu poema

a menina de moletom rosa-choque

desenhado com delicadas e surradas

borboletas tapando os olhos da boneca

esfarrapada impedindo a visão do tapete de

mortos no chão da Síria impregnou de medo

a palavra e se escondeu no meu poema

as crianças sem cabelo de pupilas

esbugalhadas e nuas estendendo as mãos

sem cor para os visitantes da Somália me

deram a mais difícil aula de anatomia e

ofertaram a palavra fome para o meu poema

*

diáspora

abro os olhos

e a quarta-feira é cinza

as taras da noite me perseguem

neste quarto de hotel

é bom acordar sem deus

descer a rua

e ver o mesmo flanelinha no ofício

diáspora

palavra que me segue

sem pedir perdão

sou retalho carne dilacerada

fragmento escuridão

abro as pernas no sinal

os carros passam

e o vento leva pó para o meu rosto

a noite chega

a quarta-feira é cinza

e faz tanto tempo que me perdi de mim

ladainha para alberto da cunha melo

para a alma do poeta que se foi

eu rogo ao poema que componha o silêncio

para a alma do sertanejo que se foi

eu rogo ao poema que se empalhe em chuva

para a alma da criança que se foi

eu rogo ao poema que confeite a vida

para a alma da negra que se foi

eu rogo ao poema que se emplume em pássaro

para a alma do pobre que se foi

eu rogo ao poema que petrifique o pão

para a alma do revolucionário que se foi

eu rogo ao poema que ampute o sonho

para a alma do músico que se foi

eu rogo ao poema que dedilhe o chão

para a alma do filho que se foi

eu rogo ao poema que psicografe a falta

para a alma do palhaço que se foi

eu rogo ao poema que reinvente a cor

para alma da mulher que se foi

eu rogo ao poema que alcance as asas

para a alma do poema que se foi

eu rogo à poesia que borde os sentidos

para a alma do verso que se foi

eu rogo à palavra que se parta em várias

para a alma da palavra que se foi

eu rogo ao poeta que se ajoelhe e crie

****

: a mulher virou homem o trabalho

e a desigualdade por baixo da saia: trouxa

na cabeça camisa cáqui de mangas compridas

chapéu de palha quartinha de cabaça e só

calça comprida por baixo da saia

calça comprida por baixo da saia

calça comprida por baixo da saia

Leia também: “Nas tuas mãos”, de Inês Pedrosa: a força de três mulheres maiores que seus tempos

***

o sol anestesia a dor e de dor é feito

como deve ser feito de dor o frio do outro campo

***

sombreiro braseiro sombreiro braseiro sombreiro

eiro eiro eiro eito eito eito sombreiro braseiro

sombreiro sombrabrasil sombrabobrasil

sombrabobrasilis brasilis brasilis

brasilis brasilis brasilis

sombrasilis silis

silis silis

sil sil sil

lis

lis

lis

somsemeiranembeira

Fonte:
http://saopauloreview.com.br/leia-cinco-poemas-de-solo-para-vialejo-de-cida-pedrosa-premio-jabuti-de-melhor-livro-do-ano/
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/pernambuco/cida_pedrosa.html
http://ruidomanifesto.org/tres-poemas-e-um-videopoema-de-cida-pedrosa/

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1 comentário

Cida Pedrosa 21 de agosto de 2022 - 20:32
Gratidão demais pela leitura e partilha, querido. Um cheiro grande!
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