Você conhece os melhores poemas de Juan Gelman? Juan Gelman é muito conhecido por seus poemas, matérias jornalísticas e traduções na Argentina. É um dos mais importantes poetas da Argentina das últimas décadas, vencedor do Prémio Cervantes em 2007. Tem uma pequena coletânea de poemas publicada em Portugal em 1998 pela editora Quetzal, chamado “No avesso do mundo.”
Um poeta excepcional, nasceu em Buenos Aires – no bairro histórico de Villa Crespo – em 1930. Sua primeira obra publicada, Violín y otros servicios, entusiasticamente prefaciada por outro grande poeta, Raúl González Tuñon, foi imediatamente aclamada pela crítica.
Ele é considerado por muitos como um dos maiores poetas contemporâneos e sua obra traz uma busca ambiciosa por uma linguagem transcendente, seja pelo “realismo crítico” e pela intimidade, primeiro, e depois com a abertura para outras modalidades, a singularidade de um estilo, uma modo de ver o mundo, a conjugação de uma aventura verbal que não exclui o compromisso social e político, como forma de temperar a poesia com as grandes questões do nosso tempo.
O NotaTerapia separou os melhores poemas de Juan Gelman. Confira:
limites
Quem disse alguma vez: até aqui a sede,
até aqui a água?
Quem disse alguma vez: até aqui o ar,
até aqui o fogo?
Quem disse alguma vez: até aqui o amor,
até aqui o ódio?
Quem disse alguma vez: até aqui o homem,
até aqui não?
Só a esperança tem os joelhos nítidos.
Sangram.
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foto
Na fotografia que teus olhos tornam doce
há teu rosto de perfil, tua boca, teus cabelos,
mas quando vibrávamos de amor
debaixo da maré da noite e do clamor da cidade
teu rosto é uma terra sempre desconhecida
e esta fotografia o esquecimento, outra coisa.
Sucos do céu molham a madrugada da cidade violenta.
Ela respira por nós.
Chuva
hoje chove muito, muito,
dir-se-ia que estão a lavar o mundo.
o meu vizinho do lado vê a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor
uma carta à mulher com quem vive
e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele
e se parece com a sua sombra
o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher
entra em casa pela janela e não pela porta
por uma porta entra-se em muitos sítios
no trabalho, no quartel, na prisão,
em todos os edifícios do mundo
mas não no mundo
nem numa mulher / nem na alma
quer dizer / nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim
como hoje / que chove muito
e me custa escrever a palavra amor
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa
e só a alma sabe onde as duas se encontram
e quando / e como
mas que pode a alma explicar
por isso o meu vizinho tem tempestades na boca
palavras que naufragam
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na
mesma noite em que ele amou
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá
como o silêncio que existe entre duas rosas
ou como eu / que escrevo palavras para regressar
ao meu vizinho que vê a chuva
e à chuva
ao meu coração desterrado
Madrugada
Somos os que acendemos o amor para que dure,
para que sobreviva a toda a solidão.
Queimamos o medo, olhamos frente a frente a dor
antes de merecer esta esperança.
Abrimos as janelas para lhes dar mil rostos.
O jogo que jogamos
Se me dessem para escolher, eu escolheria
Esta saúde de saber que estamos muito enfermos,
Esta dita de andar tão infelizes.
Se me dessem para escolher, eu escolheria
Esta inocência de não ser um inocente,
Esta pureza em que ando por ser impuro.
Se me dessem para escolher, eu escolheria
este amor com o qual odeio,
esta esperança que come pães desesperados.
Acontece, senhores, que aqui
aposto a minha morte.
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aniversário
respiraria/rua/onde agora
cai a tristeza?/enchove?/
mamãe trouxe a tarde/
vou manchar as tolhas/com certeza/
e adoraria o pito
que vai me passar/suavíssima/
revolvendo minha alma
com a colher da sopa/
a última coisa que fez
antes de morrer
foi esticar um fiozinho
para me pôr ao sol
a mão
não ponha a mão na água
porque se vai como peixe/
não ponha a água em sua mão
porque virá o oceano
e a margem depois/
deixa sua mão assim/
em seu ar
nela/
sem começo/
nem fim.
soneto
tua palidez alta na noite/como
lua/o que quer dizer?/
a noite passa num dorso de gato/
os grilos brilham/o que quer dizer isso?
uma criança grita/tenho
tuas duas bochechas contra meu coração/oh alta/
e taça assim vertida sobre mim/
apagaste minha fúria para fazê-la tristeza/
mas minha fúria foi primeiro tristeza/
o que aconteceu?/por que assim?/
o que houve/gato?/
e você/grilo:/
o único caminho
é pó do caminho/
Confianças
senta-se à mesa e escreve
“com este poema não tomarás o poder” diz
“com estes versos não farás a revolução” diz
“nem com milhares de versos farás a revolução” diz
e mais: esses versos não vão servir para que
peões professores lenhadores vivam melhor
comam melhor ou ele mesmo coma viva melhor
nem para apaixoná-la servirá
não ganhará dinheiro com eles
não entrará no cinema grátis com eles
não lhe darão roupa por eles
não conseguirá tabaco ou vinho por eles
nem papagaios nem cachecóis nem barcos
nem touros nem guarda-chuvas conseguirá por eles
se contar com eles a chuva o molhará
não alcançará perdão ou graça por eles
“com este poema não tomarás o poder” diz
“com estes versos não farás a revolução” diz
“nem com milhares de versos farás a revolução” diz
Senta-se à mesa e escreve
XCI
toda poesia é hostil ao capitalismo
pode tornar-se seca e dura mas não
porque seja pobre mas
para não contribuir com a riqueza oficial
pode ser sua maneira de protestar de
tornar-se magra já que há fome
amarela de sede e sofrida
de pura dor que há pode ser que
ao contrário abra os becos do delírio e as bestas
cantem atropelando-se vivas de
fúria de calor sem destino pode
ser que se negue a si mesma como outra
maneira de vencer a morte
assim como se chora nos velórios
poetas de hoje
poetas deste tempo
nos separaram do rebanho não sei que será de nós
conservadores comunistas apolíticos quando
aconteça o que vai acontecer mas
toda poesia é hostil ao capitalismo.
E aí, gostou dos poemas de Juan Gelman?
Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/argentina/juan_gelman.html
https://www.escritas.org/pt/juan-gelman
https://eupassarin.wordpress.com/2013/07/11/outras-poesias-de-juan-gelman/