Caso ocorreu no Colégio Vitória Régia, em Salvador, que confirma o afastamento da docente
O racismo estrutural de nossa sociedade aparece, muitas vezes, em alguns detalhes que parte da sociedade insiste em não ver. Uma professora, cuja identidade não foi revelada, foi afastada de uma turma de ensino médio do colégio Vitória-Régia, em Salvador, depois de indicar para os alunos o livro Olhos d’água, de Conceição Evaristo. O caso repercutiu nas redes sociais justamente por conta do mês da consciência negra.
Segundo relatou o Estado de Minas, o colégio confirmou que a professora foi afastada da turma. No entanto, negou que tenha ocorrido por motivos raciais. A alegação é que os familiares se sentiram desconfortáveis com a obra “por acharem a linguagem inapropriada para a faixa etária”. O afastamento da professora, conforme nota do colégio, ocorreu depois de ela fazer um post, nas redes sociais, sobre a decisão da escola de afastá-la atendendo a pressão de algumas famílias.
“Alguns alunos e seus respectivos familiares não se sentiram confortáveis com a obra por acharem a linguagem inapropriada para a faixa etária, nos termos da Lei nº 8.069/90. Assim, os familiares comunicaram à direção do Vitória-Régia as suas insatisfações relativas ao vocabulário (palavrões, narrativas reais de violência, etc), o que imediatamente foi comunicado à professora da disciplina para encontrar novo viés para a abordagem da atividade”, diz a nota.
Sobre o livro
Em Olhos d’água Conceição Evaristo ajusta o foco de seu interesse na população afro-brasileira abordando, sem meias palavras, a pobreza e a violência urbana que a acometem. Sem sentimentalismos, mas sempre incorporando a tessitura poética à ficção, seus contos apresentam uma significativa galeria de mulheres: Ana Davenga, a mendiga Duzu-Querença, Natalina, Luamanda, Cida, a menina Zaíta. Ou serão todas a mesma mulher, captada e recriada no caleidoscópio da literatura em variados instantâneos da vida?
Elas diferem em idade e em conjunturas de experiências, mas compartilham da mesma vida de ferro, equilibrando-se na “frágil vara” que, lemos no conto “O Cooper de Cida”, é a “corda bamba do tempo”.
Em Olhos d’água estão presentes mães, muitas mães. E também filhas, avós, amantes, homens e mulheres – todos evocados em seus vínculos e dilemas sociais, sexuais, existenciais, numa pluralidade e vulnerabilidade que constituem a humana condição. Sem quaisquer idealizações, são aqui recriadas com firmeza e talento as duras condições enfrentadas pela comunidade afro-brasileira.