Se construímos na vida de jovem adulto laços fortes com nossa memória infantil, é porque estamos sozinhos e necessitados. E se por um lado gostamos de falar sobre, por outro a evitamos em meios que consideramos importantes. É por este fato que rejeitamos o passado como aspecto característico na nossa vida, e o colocamos como momentos de fala ou o que este escritor chama de “devaneio infantil”.
Caso por bem formos atrás da querida psicologia (suspeito eu, freudiana) encontraremos um nome para isso; expressões de ver no outro ou numa situação, separada do eu, uma característica de desejo latente, porém reprimida. Fiquem à vontade para correção diante da minha falha terminológica.
Pois é engraçado discorrer sobre gostos. Gostos são variados, e dizer este óbvio não ajuda a entender a questão aqui: por que temos nós aversão à infância, embora nos voltemos constantemente a ela? O voltar seria contraditório (e é, por isso o “embora” na frase anterior) se não víssemos na mídia tamanhas imagens de origem infante. São super-heróis, personagens recorrentes de uma geração de duas décadas atrás que são relidos em vários níveis, continuados para depois do fim com um “e se…?”, ou simplesmente alterados por completo, a fim de agradar o novo grupo. O novo grupo que era o antigo, mas crescido. E vejam bem que não digo que pertencem ao público infantil – mas sua origem, sim. São nessas instâncias de prestigiar uma imagem antiga que nos mostra uma falta tremenda da infância, do leito materno. Queremos ver aquelas coisas que gostávamos, sentir as mesmas sensações de quando éramos crianças, mas – aumento aqui a ênfase – jamais, aquelas coisas devem ser as mesmas. Se fosse assim, assistiríamos, leríamos, jogaríamos, nos voltaríamos aos mesmos objetos, ipisis litteris, e não gastaríamos nosso tempo no social, com conversas em grupos e discussões no facebook para dar o aval sobre essas novas produções.
Estaria tudo bem se não fosse vista tanta rejeição de uma característica simples, sutil e que muitas vezes nos é intrínseco à personalidade: o bobo. Quando digo “o bobo” parece mesmo que isto é “O Bobo”, com maiúsculo, daquele arquétipo de bobo-da-corte que fala verdades sinceras sobre qualquer nobre, até o rei, e tem carta branca para continuar vivo. Porque ele é o bobo. “O Bobo” não constitui família, não deixa sua herança (os historiadores medievais que me perdoem) e não contribui objetivamente na estrutura social, para a sociedade. Mas eles ainda existem, e não são aqueles que vestem a camisa de um S grande ou reproduzem jargões de séries.
É pelo social que percebemos algo que não pode ser constatado facilmente em sessões psicanalistas, esse algo se define ao longo das conversas e é confirmado pela reiteração de ações, em detrimento de outras. Assim ao relembrar do passado e estar na companhia de pessoas que não reproduzem atos completamente distintos do que uma criança de dez anos faria (idade meramente simbólica), mostra uma personalidade genuína de bobo.
Porque usam a infância para vender, a usamos para ter o que falar, quase que como um costume proposto pelas mídias (e que costume não é?), raramente para um alívio emocional coletivo em meios importantes que não pode ser analisado. Não é que precisemos falar sobre bobagens no trabalho, em família, em qualquer outro meio de alto status social. É que simplesmente não devíamos nos redimir ao falar, entender o processo de retorno que é intrínseco ao homem, e que serve tanto como rito de passagem, quanto memória a ser contada. É algo muito relevante – não digo para me convencer.
Outro dia falei de futuras propostas de mestrados sobre estudar e comparar contos de fada, que poderia dialogar com a tal psicologia junguiana, análise comportamental, não sei, alguma coisa por aí, apenas especulação, e os olhares de julgamento não foram poucos. Há aqueles ainda que se mantiveram calados, mas por preguiça ao questionamento “E isso não é pra criança?”. O problema, imagino eu, das pautas “infantis” para essas pessoas é que falar sobre elas implica ao autor da fala o pertencimento a uma grade de outros comportamentos. O objeto não está desvinculado ao ser, e dizer isso significa, basicamente, colocar imaturidade para preencher a grade.
É difícil definir uma linha quando alguém ainda está preso na infância, e quando alguém simplesmente não fecha as portas do Antigo e o visita quando for necessário. Não é difícil, porém, saber que “imaturidade” para a comédia é no mínimo algo questionável, e que não é muito certo depreciar alguém pelo o que se ri. O cômico sempre foi resultado de sentimentos genuínos (ressalvas aqui para o humor negro), e tratar com indiferença – ou pior: – fingir indiferença, só nos deixa com sentimentos reprimidos. Outra vez, a psicologia deve ter um nome para isso.
Por último, não como frase de efeito, mas como dúvida sincera, me digam pelo amor de deus: vocês que riem de coisas sãs, afinal, querem enganar quem?