A Espada na Pedra é considerado o melhor romance sobre a vida do Rei Arthur. Publicado em 1938, período pós Segunda Guerra, a história de White serviu de inspiração para muitos nomes da literatura fantástica, como J. R. R. Tolkien, C. S. Lewis e J. K. Rowling. Neste primeiro volume da série de cinco livros, Arthur, carinhosamente chamado de Wart, vive no Castelo da Floresta Sauvage, com seu protetor Sir Ector e o filho Kay. Depois de perder-se na floresta procurando Cully, o falcão de estimação, encontra o mago Merlin que se faz seu tutor, dando início assim às suas aulas de “magia”. Wart é transformado em vários animais, e no decorrer da narrativa percebemos filosofias interessantes sobre a linguagem, moral e ética.
Muitos leitores devem conhecer essa história através do filme da Disney A espada era a lei, lançado em 1963, o qual resume e adapta bem o livro.
Wart não sabia sobre o que Merlin estava falando, mas gostava quando ele falava. Não gostava dos adultos que se colocavam no nível dele, mas os que continuavam falando do jeito normal, deixando-o segui-los aos saltos, pulando alguns significados, adivinhando, agarrando-se às palavras conhecidas, e rindo exultante das piadas complicadas quando de repente as entendia.
Tinham seis flechas cada um e poderiam atirar e perder todas antes de precisarem assustar os coelhos, tendo que ir recolhê-las. Uma flecha não faz ruído suficiente para incomodar mais do que aquele coelho em particular que está sendo flechado por ela.
— Você acha que educação é algo que você deve ter quando tudo o mais falha? — inquiriu Merlin irritado, pois também estava de mau humor.
— Bem — disse Wart —, algumas espécies de educação.
— A minha? — perguntou o mágico, com os olhos fuzilando.
— Ah, Merlin — exclamou Wart, sem responder —, por favor, me arranje alguma coisa para fazer, porque estou me sentindo péssimo. Ninguém me quer para nada hoje, e não sei como ser sensato. Está chovendo tanto.
— Você deveria aprender a tricotar.
— Eu não poderia ir lá para fora e me transformar em alguma coisa, em um peixe ou algo assim?
— Você já foi um peixe — disse Merlin. — Ninguém com um pouco de esperteza precisa ser educado duas vezes na mesma coisa.
Merlin pôs o tricô de lado e olhou seu aluno por sobre os óculos.
— Meu jovem — ele disse —, você será qualquer coisa no mundo, animal, vegetal, mineral, protista ou vírus, pelo que me concerne, antes de deixar meu trabalho com você, mas terá que confiar em minha visão retrospectiva superior. Ainda não é o momento de você ser um falcão — para começar, Hob ainda está nas Gaiolas, alimentando-os —, portanto, pode se sentar por um momento enquanto aprende a ser um humano.
Florestas são lugares livres, e ótimos lugares são. Deixam que você durma nelas, no inverno como no verão, e deixam caçar nas suas áreas, senão você morre de fome; e cheirar o cheiro que aparece nas folhas novas e brilhantes, conforme o tempo, ou quando elas caem segundo o mesmo tempo ao contrário; deixam que a gente fique nelas sem ser visto, e se mova por dentro delas sem que ninguém escute, e aquecem quando a gente cai adormecido — ah, são mesmo bons lugares, as florestas, para um homem de coração e mãos livres.
— Uma das poucas coisas que sabemos — disse Robin — sobre as Abençoadas é que atendem por nomes de animais. Por exemplo, podem ser chamadas de Vaca, ou Bode, ou Porco, e assim por diante. Então, se você estiver chamando uma de suas próprias vacas, deve sempre apontar para ela quando chamar. De outra forma, pode estar invocando uma fada — uma Pessoinha, eu deveria ter dito — que atende pelo mesmo nome, e, uma vez que a invoque, ela vem e pode levá-lo.
Wart observou esses arranjos primeiro com surpresa, depois com aflição e, finalmente, com desagrado. Queria perguntar como era possível não pensar nas coisas com antecedência — esse sentimento incômodo que as pessoas têm ao ver um serviço ser mal executado. Mais tarde começou a desejar poder fazer várias perguntas, tais como “Você gosta de cuidar dos mortos?” ou “Você é um escravo?” ou mesmo “Você é feliz?” A coisa extraordinária é que ele não podia fazer essas perguntas. Para poder fazê-las, teria que traduzi-las para a língua das formigas através das antenas — e descobria agora, com uma sensação de impotência, que não existiam palavras para o que queria dizer. Não havia palavras para felicidade, liberdade, gostar, assim como não havia palavras para seus opostos. Sentia-se como um mudo tentando gritar “Incêndio!”.
A formiga disse novamente:
— Salve, Barbaras!
— Salve.
— O que você está fazendo?
O menino respondeu fielmente:
— Não estou fazendo nada.
A formiga ficou desconcertada com isso durante vários segundos, como você ficaria se Einstein lhe contasse suas últimas idéias sobre o espaço. Em seguida, estendeu os doze segmentos de sua antena e falou por cima dele para o azul.
Disse:
— 105978/UDC contatando do quadrado cinco. Tem uma formiga maluca aqui
no quadrado cinco. Câmbio.
— Você sabe porque os pássaros cantam, ou como? — perguntou Wart, pensando no tordo. — É uma linguagem?
— Claro que é uma linguagem. Não é uma grande linguagem como a fala humana, mas é extensa.
— Gilbert White observa, ou vai observar, como você queira colocar — disse Merlin —, que “a linguagem dos pássaros é muito antiga e, como outras formas antigas de falar, pouco é dito, mas muito é sugerido”. Ele também diz em algum lugar que “as gralhas, na estação de reprodução, às vezes tentam cantar, na alegria de seus corações, mas sem grande sucesso”.
— No começo, eles repetem — disse Merlin —, e depois fazem variações. Vocês parecem não perceber quanto significado reside no tom e na velocidade da voz. Suponha que eu diga “que belo dia” assim simplesmente. Vocês responderiam, “sim, é mesmo”. Mas seu eu dissesse, “que belo dia” em um tom carinhoso, vocês poderiam me considerar uma pessoa simpática. Mas, de novo, se eu dissesse “que belo dia”, perdendo o fôlego, vocês poderiam procurar ver que bicho me mordeu e me assustou. Foi assim que os pássaros desenvolveram sua linguagem.
Wart estava deitado de costas, com a pele de urso meio jogada para o lado e as mãos cruzadas atrás da cabeça. Estava bonito demais para que dormisse, e temperado demais para a coberta. Observava as estrelas numa espécie de transe. Logo já seria verão, quando poderia dormir nas ameias e observar as estrelas flutuando tão perto do seu rosto como se fossem mariposas — e, pelo menos na Via Láctea, como se fossem pólen de mariposas. Ao mesmo tempo, estariam tão distantes que pensamentos inexprimíveis de espaço e eternidade se embaralhariam no seu peito anelante, e ele se imaginaria caindo cada vez mais para cima entre elas, nunca as alcançando, nunca chegando ao fim, tudo deixando e perdendo na velocidade tranqüila do espaço.
Mas ela estava realmente zangada.
— Pare com isso de uma vez! Que mente horrível você deve ter! Não tem o direito de dizer essas coisas. E é claro que existem sentinelas. Aí estão os falcões e as águias, não é? E as raposas e os arminhos e os humanos com suas redes? Todos são inimigos naturais. Mas que tipo de criatura pode ser tão baixa a ponto de sair em bandos para assassinar outros de seu próprio sangue?
— E o que são fronteiras, por favor?
— Linhas imaginárias sobre a Terra, suponho. Mas como se pode ter fronteiras quando se voa? Essas suas formigas — e também os humanos — acabariam não tendo que deixar de brigar, se voassem.
— Eu gosto de lutar — disse Wart. — É uma coisa de cavaleiros.
— Porque você é um bebê.
— Meu Deus! — exclamou Sir Kay. — Esqueci minha espada em casa.
— Não pode combater sem uma espada — disse Sir Grummore. — Completamente irregular.
— Melhor voltar e buscá-la — disse Sir Ector. — Dá tempo.
— Meu escudeiro fará isso — disse Sir Kay. — Que maldito erro para cometer! Vamos, escudeiro, volte com toda a rapidez à estalagem e traga minha espada. Ganhará um xelim se chegar a tempo.
Wart ficou tão pálido quanto Sir Kay estava, e olhou como se fosse esbofeteálo.
Então, disse:
— Isso será feito, mestre.
Virou seu vagaroso palafrém contra a corrente dos que chegavam. “Oferecer dinheiro para mim!”, exclamou Wart consigo mesmo. “Baixar os olhos do alto de sua bela montaria para esse pangaré e me chamar de Escudeiro! Oh, Merlin, dê-me paciência com o bruto, e não me deixe jogar seu maldito xelim na sua cara!”