A matéria de hoje foi escrita pela grande artista Aline Pascholati, seus caixões-obra e sua visão otimista da morte! Confiram:
Você deve estar se perguntando por que eu fui estranha, gótica, ou louca o suficiente para criar um caixão-obra de arte. Ok, eu explico. Um conhecido de longa data, praticamente de infância, que aprecia muito a minha arte me encontrou em um bar e me perguntou se eu gostaria de pintar um caixão – ele é um dos donos da maior fábrica do segmento na América Latina, a Urnas Bignotto – e havia visto uma obra minha que representa um caixão com asas de borboleta, comparando assim a morte como a metamorfose da borboleta, ou seja, uma passagem para a imortalidade. Posteriormente, ele me confessou que inicialmente pensou que eu não fosse aceitar, mas lembrou-se de minha personalidade excêntrica – “você usava cartola com 16 anos nas festas do clube X” – e decidiu dar uma chance para a tentativa. Na hora que ele me falou sobre sua ideia, meu cerebrozinho deu um pulo! “Mas como é que eu não pensei nisso antes???” E eu, obviamente, respondi sim. É claro que eu queria! Quem é que não ia querer usar um caixão de base para criar uma obra de arte? Ainda sugeri fazermos uma sessão de fotos de mim mesma dentro da urna funerária. Se for para causar, façamos direito.
E com toda essa história descobri que as pessoas têm muito, mas muito medo mesmo, da morte; pavor até do próprio objeto – urna funerária – que na verdade é somente um pedaço de madeira. O horror do caixão talvez também esteja ligado ao pânico de ser enterrado vivo e acordar lá dentro. E esse medo todo da morte, seria, talvez, um lembretezinho irritante de que a vida está passando e você não está aproveitando como deveria? De qualquer maneira, é evidente que ninguém quer morrer, nem mesmo muitos dos suicidas o querem, mas já que é pra morrer mesmo, morramos com estilo. Piadas à parte, o que acabou acontecendo é que estamos sacudindo um tabu. O caixão-obra de arte virou matéria de amor ou ódio, não tem meio termo.
Não que nenhum artista nunca tenha abordado o tema da morte, longe disso. O tema já foi representado, e muito. Eu particularmente gosto das representações da dança macabra e os transi – corpos realistas dos defuntos – em tampas de túmulos do século XIV, época na qual uma angústia tomou conta da Europa, sobretudo, devido ao fantasma da peste negra. Dentre os nossos contemporâneos, a caveira cravejada de brilhantes de Damien Hirst segue a mesma linha de pensamento, a visão angustiante da passagem do tempo e a finitude das vaidades humana, resultando em uma morte inevitável. Eu também possuo uma série desse estilo – às vezes a morte inquieta todo mundo – representada através de fotografias em preto e branco do relógio de meu tataravô e outros elementos que fazem alusão à efemeridade da vida, da beleza e das riquezas terrenas. Esse tipo de obra também é chamada de memento mori, em latim.
Por outro lado, existiram artistas que representaram a morte como uma passagem para imortalidade. Dentre essas criações, minhas preferidas são as caveiras sobrepostas por borboletas – borboletas reais, esculpidas ou pintadas – do Philippe Pasqua. Essas obras certamente tem algo do mito grego de Eros e Psiquê, que também me influenciou. Nessa história, a belíssima mortal Psiquê perde o coração de seu amado, o deus Eros – ou Cupido, na versão latina – e depois de diversas difíceis tarefas consegue reconquistá-lo, tornando-se imortal e ascendendo ao Olimpo, morada dos deuses. Em grego antigo, a palavra Ψυχή – psyché – significa tanto « alma », quanto « borboleta ». O mito é então uma alusão à transcendência da alma e conquista da imortalidade após a vida terrena.
Caveiras para falar de morte, seja a visão positiva ou negativa, têm de monte. Mas, caixões, de verdade, são bem poucos! Os que chegam mais perto são as obras de André Chabot e Jan Fabre. Então, finalmente, chegamos a ele, meu lindo caixãozinho. Um caixão real de madeira que foi recoberto com camadas de tinta acrílica e forrado de preto.
Como dito acima, parte da inspiração veio do mito de Eros e Psiquê, além de uma visão otimista parecida com a temática egípcia dos caixões pintados – sarcófagos na verdade são as estruturas retangulares de pedra nas quais o caixão é colocado – e a crença na vida após a morte. Mas comecemos do começo.
O início do projeto remete à uma tela de 2010 – ainda da época em que eu fazia faculdade em Paris – nomeada Metamorfose, mesmo título que o caixão receberia seis anos depois. Essa obra foi aperfeiçoada em tamanho maior em 2014, ainda representando uma urna funerária ladeada por asas de borboleta em um fundo preto, etéreo e atemporal – os ícones que eu estudava na aula de arte bizantina são a fonte da minha mania por fundos lisos, etéreos e atemporais.
Voltando às pinturas, a mensagem é clara. A urna se transforma no casulo da lagarta que transcende sua condição inicial. A morte é apresentada como uma simples passagem, tal qual a de um inseto rastejante a uma bela borboleta de asas coloridas e luminosas. Se existe uma questão, não é se existe ou não um depois, mas sim o que é esse depois, já que a passagem é indiscutível. Notem que eu demorei bastante para decidir se a alma era imortal ou não, mas desde que tomei minha decisão, ela tem sido bastante forte para mim como inspiração.
Na obra de 2016 – ou seja, meu lindo caixãozinho de nome Metamorfose – a estrutura de madeira que carrega o corpo é vista como o casúlo da borboleta e os traços de tinta acrílica colorida que saem do centro em direção as bordas de sua tampa representam a alma em seu momento de transcendência, no qual ela deixa seu invólucro material através de uma explosão de energia vital, se tornando assim energia pura. A técnica, como todo mundo percebe só de olhar, foi inspirada daquela de Pollock, mas, ao contrário do que muitos podem ver como cópia, está um aperfeiçoamento, realizado por mim através da série Explosões. Nessa, eu experimento traduz em imagens abstratas os sentimentos e humores inconscientes – você pode ler sobre ela no post que o Luiz Ribeiro, um dos editores do Nota Terapia, escreveu aqui.
A cor violeta de fundo, mesmo tom das asas da borboleta na versão da pintura de 2010, é de extrema importância; significa transmutação, transformação, transição, em diversas filosofias, tal como a Rosa Cruz.
Para os que se interessaram pelo meu trabalho, convido-os a visitar meu site www.alinepascholati.com
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