O Fim da História, de Lydia Davis, é o relato de uma mulher sobre o fim de sua relação amorosa. Montado aos fragmentos, a narrativa, passo a passo, busca recompor a memória do relacionamento em todas as suas minúcias de tempo, lugar e sensação. Uma zona nebulosa do amor, entre o que sentimos, vivemos – ou sentimos ao viver – e passamos a sentir após ter vivido – é especulado em cada toque, gesto, telefonema, carinho, desprezo, sonho. A personagem feminina relata o primeiro momento da relação, momento que ela elege como primeiro, e vai esmiuçando uma espécie de “narrativa amorosa” que vai se dissolvendo até seu último instante, como um ponto qualquer, inexistente, escolhido por ela para o fim.
Trata-se de um dos melhores livros lançados em 2016, em edição da José Olympio, e vencedor do Man Booker Internacional Prize em 20143.
O NotaTerapia separou as melhores frases da obra. Confira:
Não era minha intenção ser rude com o homem, eu simplesmente não conseguia abrir a boca e falar. Teria tomado todas as minhas forças empurrar o ar pra fora dos pulmões e emitir um som, e teria me machucado ao fazer isso, o que me tornado algo que não me sobrava naquele momento.
Olhar aquela noite em perspectiva era quase melhor do que vivê-la pela primeira vez, porque o tempo não passava rápido demais e fugia ao controle, eu não precisava me preocupar com o papel e não me deixava distrair pelas dúvidas, porque sabia o que aconteceria no fim das contas. Revivi aquilo tantas noites que tudo deve ter acontecido apenas para que eu pudesse reviver depois.
Então, depois que ele me deixou, o começo não era só a primeira ocasião feliz, a abertura para uma infinidade de ocasiões felizes, mas também continha o fim, como se o mesmo ar do espaço onde estávamos sentados, naquele lugar público, onde ele se inclinou, mal me conhecendo, e sussurrou ao meu ouvido, já estivesse permeado com o fim, com se as paredes do café já fossem feitas da matéria do fim.
O silêncio entre nós era tão espesso que as palavras não eram ditas, mas compelidas através de sua densidade. Parei de tentar.
Agora que eu estava disposta, ou dizia que estava disposta a lhe dar tudo o que não quisera dar antes, ele não queria nada de mim. Ou tudo o que queria era que eu o deixasse em paz, e isso eu não conseguia fazer.
Como eu não sabia onde ele estava, a cidade parecia maior, e parecia entrar direto no meu quarto: ele estava em algum lugar, ainda que desconhecido para mim, estava presente na minha mente e era uma coisa grande e escura dentro de mim.
Disse que viria para almoçar no dia seguinte, e eu esperei, mas ele já estava três horas atrasado. Enquanto esperava, eu sabia que minha irritação seria desproporcional às suas explicações e desculpas, que seriam breves, como suas desculpas e explicações costumavam ser quando ele era culpado por qualquer coisa, breves e um pouco irritadas, como se estivesse bravo comigo antes por tê-lo colocado numa posição em que me decepcionaria e em seguida por me sentir decepcionada.
O que significava o tédio naquele momento? Significava que nada mais aconteceria com ele. Não que ele fosse tedioso; era eu que já não tinha qualquer expectativa para esse companheirismo. Expectativas haviam existido, e agora estavam mortas.
Tenho imagens dele na minha memória, fragmentos de coisas que disse, e impressões, algumas contraditórias, talvez porque ele era inconsistente, talvez por causa do meu próprio humor de agora: se estou brava, ele parece superficial, cruel e arrogante; se estou mais gentil e terna, me parece confiável, honesto e sensível. O centro está faltando, o original sumiu, tudo o que tento formar em volta desse centro pode não se parecer muito com o original.
Se tudo permanecesse como estava, parecia possível que ele voltasse. Se tudo permanecesse como ele deixara, seu lugar estaria aberto para acolhê-lo. Mas, se as coisas mudassem para além de certo ponto, seu lugar na minha vida começaria a se fechar, ele não seria capaz de se encaixar de novo, ou, se o fizesse, teria que entrar por um novo caminho.
Edição: José Olympio, 2016