Queria apenas tentar viver aquilo que brotava de mim mesmo.
Porque isso em era tão difícil?
Epígrafe de Demian
Demian, de Hermann Hesse, conta a história do menino Sinclair, desde a sua infância até a vida adulta, nos tempos de guerra. Sinclair vivia, segundo o próprio dizia, sob um “mundo iluminado” de bom menino, cristão, rodeado do amor de sua família. No entanto, conforme vai crescendo, cada vez mais percebe haver um outro lado no mundo: um lado sombrio, de coisas proibidas e não reveladas. É quando ele conhece Demian, um menino inteligente e de olhar atento, com quem faz amizade e lhe dá uma notícia: Sinclair tem uma marca e, como Caim, vai precisar levar esta marca em toda sua vida. Assim, lemos a trajetória do rapaz em busca de si próprio pela vida, entendendo o mundo como uma mistura entre o tal mundo luminoso e o outro em que habita, o sombrio.
Veja nosso papo sobre Hermann Hesse:
O NotaTerapia separou as melhores frases da obra. Confira:
Minha história é, no entanto, para mim, mais importante do que a de qualquer poeta é para ele, pois é a minha própria história, e é a história de um homem – não de um personagem inventado, possível ou inexistente em qualquer outra forma, mas a de um homem real, único e vivo.
Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode.
Pela primeira vez saboreei a morte, e ela tinha um gosto amargo, pois é nascimento, é angústia e pavor ante uma renovação aterradora.
E eu, que já era Caim e levava a marca na fronte, imaginara naquele instante exato que o sinal não era um estigma infamante, mas antes um distintivo e que minha maldade e infelicidade me faziam superior a meu ai, superior aos homens bons e piedosos.
Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo!
Quando um animal ou um homem orienta toda sua atenção e toda sua força de vontade para determinado fim, acaba por consegui-lo.
As palavras engenhosas não têm qualquer valor, absolutamente nenhum. Só conseguem afastar-vos de nós mesmos. E afastar-se de si mesmo é um pecado. É preciso que se saiba encerrar-se em si mesmo, como a tartaruga.
Veja também: Hermann Hesse: sobre a moderação e os pequenos prazeres da vida
Exatamente como a árvore do outo que não sente o perder de suas folhas nem quando a chuva, a geada e o sol lhe resvalam pelo tronco, e a vida se retira para o mais íntimo e recôndito de si mesma. Ela não morre. Espera.
No fundo eu era assim! Eu que caminhava pelo mundo, insulado em meu desprezo! Eu, que sentia o orgulho da inteligência e compartilhava de pensamentos de Demian! Isso é que eu era: lixo, escória, bêbado e mesquinho, repugnante e grosseiro, uma besta selvagem dominada por instintos asquerosos. (…) Eu, que havia dominado a música de Bach e as belas poesias! Dominado pelo asco e pela indignação, ouvia ainda o meu próprio riso, um riso ébrio, desenfreado, que fluía aos borbotões, estúpido. Aquilo era eu!
A parte de minha vida que tive de arrancar às potências sombrias ofereci-a em sacrifício aos poderes luminosos. Meu fim não era o prazer, mas a pureza; não a felicidade, mas a espiritualidade e a beleza.
Nem todo mundo é Fausto.
“Sempre é bom termos consciência de que dentro de nós há alguém que tudo sabe…”
O amor não era obscuro instinto animal, como a princípio o havia suposto; tampouco piedosa adoração espiritual, como a que consagrara à imagem de Beatrice. Eram ambas as coisas, ambas e muitas outras mais: era anjo e demônio, homem e mulher em um, ser e fera, sumo bem e profundo mal. Eu o desejava e temia; mas estava sempre presente, sempre acima de mim.
O acaso não existe. Quando alguém encontra algo de que verdadeiramente necessita, não é o acaso que tal proporciona, mas a própria pessoa; seu próprio desejo e sua própria necessidade a conduzem a isso.
Creio que a música agrada por sua completa ausência de moralidade. Todo o resto é moral, e procuro algo que não o seja. A moral nunca me trouxe nada que não fosse doloroso.
Quando odiamos um homem, odiamos nele algo que trazemos em nós mesmos. Também o que não está em nós nos deixa indiferentes.
As coisas que vemos são as mesmas que temos dentro de nós.
A maioria das pessoas vive também em sonhos, mas não nos próprios, eis aí a diferença.
O verdadeiro ofício de cada um era apenas chegar até si mesmo. Depois, podia acabar poeta ou louco, profeta ou criminoso.
A comunidade é uma coisa muito bela. Mas o que vemos florescer agora não é a verdadeira comunidade. (…) O que hoje existe é simplesmente o rebanho. Os homens se unem porque têm medo uns dos outros e cada um se refugia entre seus iguais: rebanho de patrões, rebanho de operários, rebanho dos intelectuais…E por que tem medo? Só se tem medo quando não se está de acordo consigo mesmo.
Todos os homens estão prontos a fazer o impossível quando seus ideais estão ameaçados; mas quando se anuncia um novo ideal, um novo impulso de crescimento, inquietante e talvez perigoso, todos se acovardam.
O amor não deve pedir, tampouco exigir. Há de ter a força de chegar em si mesmo à certeza e então passa a atrair em vez de ser atraído.
Mas a maioria dos homens ama para se perder em seu amor.
Edição: Editora Record, 2015
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