O projeto “História Além da Capa” surgiu para contar sobre os personagens que não aparecem nas páginas: os leitores. Livros não são apenas histórias, eles ajudam a construir a nossa. O projeto não queria ouvir sobre nada em especial, mas buscava ouvir sobre tudo. Eles procuram por sentimentos e lembranças. Sobre sonhos, alegrias e, às vezes, tristezas. Ouvem as histórias que nunca foram contadas sobre livros que muita gente já leu.
Esta semana, o convidado do projeto fui eu. A missão, aparentemente simples, foi demais reveladora: escolher um livro e dizer porque escolheu ele. No meu relato, tentei transmitir o momento em que li a obra e me transpus para outro tempo. Só mais tarde fui entender que o projeto, no fundo, traz a tona um tipo de memória que passa despercebida: a memória de leitor. O resultado do projeto, em mim, foi entender que, no fundo, estamos a todo tendo sendo leitores da vida. Estamos aqui lendo as coisas e as pessoas e, acima de tudo, tentando entender o que se passa. Quer saber mais do projeto? Acesse o Site deles o curtam a página no Facebook!
Depois desse contato próximo, resolvemos listar as 5 melhores história do projeto, em parceria com o idealizador do projeto Bruno Lacerda. Confira:
1- Maria de Lourdes, As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin
– Conta um pouco sobre a história dos livros.
– Ihhh, mas aí vou ter que lembrar muito, meu filho.
– E quantos livros a senhora já leu?
– Ah, Jesus! Não sei. Eu leio desde o primário. Eu morava na roça e, desde o primário, subia num abacateiro lá em casa pra ler. Hoje eu fico pensando o quanto a árvore é fraca e como isso era perigoso. A sorte é que eu era pequenininha e magrinha. Meus irmãos nunca gostaram muito de leitura, só eu mesmo. Aí eu li Monteiro Lobato todo, que foi um presente do meu pai. Aliás, ele me deu muitos livros. Também gostava muito de ler. Aí quando eu fui pro Internato não tinha muita coisa pra fazer, então eu caí nos romances. Li muito Agatha Christie, mas isso é mais recente. Eu gostei dessa série porque ela é moderninha, né? É coisa de jovem e ocupa a cabeça da gente. Muito legal, muito legal mesmo. Eu adoro a união da família. Apesar de terem personagens que são filhos de outros pais e outras mães, é todo mundo muito unido. Hoje em dia eu não vejo nenhum jovem lendo Monteiro Lobato, a televisão estragou tudo. Eu nunca consegui ler a Bíblia inteirinha, mas acho engraçado que as minhas alunas estão adorando a novela dos Dez Mandamentos, mas não faziam ideia de que isso tudo estava na Bíblia, aí elas ficam me perguntando “Que praga vem agora?”. Mas vou te contar: as atuações não são boas não.
2- Livia Pamplona, Fragmentos do Discurso Amoroso, de Roland Barthes
“Meu livro não é linear, mas eu acho que a vida também não é. Ele funciona pra mim mais ou menos como um catálogo de momentos que todo mundo passa, mas que ninguém consegue expressar com palavras. Eu identifico momentos da minha vida nele e é assim que ele faz todo o sentido pra mim. Ele me dá uns tapas na cara porque me passa a sensação de que eu não tô sozinha nas coisas que eu passo na vida. Eu tinha muita dificuldade de entender no início, mas acho que era porque eu ainda não tinha vivido o suficiente. Eu só gostei do livro quando parei de tentar entender o que tava escrito. Assim como os nossos pensamentos, as vezes ele não tem sentido. O autor é um pouco pessimista, mas eu não me sinto sozinha quando leio. De vez em quando a gente acha que tá sozinho e que ninguém vai entender o que estamos passando, então é bom descobrir que existem pessoas que entendem sim.”
3- Raquel Pedroza, Harry Potter e as Relíquias da Morte de J. K. Rowling
“O vestibular foi a minha coruja. A história do Harry parece um pouco com a minha. Ele sempre passou por maus momentos dentro da escola e eu também tive que lutar muito na vida pra conseguir chegar onde eu estou hoje em dia, mesmo que ainda tenha muito caminho pela frente. Eu me vejo muito como alguém que luta, assim como os bruxos. Eu vim de uma família pobre. Meu pai nunca pagou creche, escola e nem nada pra mim, sempre tive educação em colégio público. Assim como ele teve os tios malvados, eu tinha pessoas na minha vida que tentavam me botar pra baixo também. Não era ninguém da minha família, mas eu tive vários conhecidos que me falavam que eu era pobre, estudava em escola pública e não teria nem condições de tentar um vestibular. Então eu fiz prova pro Pedro II e passei. Fiz prova pra UERJ e passei. E fui sambando na cara das inimigas. Sempre foi assim. Eu já tive dois empregos simultâneos e hoje consegui concluir a minha segunda faculdade.”
4 – Thays, A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera
“Eu li o livro numa época em que eu estava passando por vários problemas, inclusive de saúde. Eu tive Síndrome do Pânico, então ele me ajudou muito, porque falou diretamente comigo, exatamente da forma como eu me sentia naquele momento. Até hoje eu leio e eu vejo muito de mim no livro, mas eu consigo separar as coisas. Não sei se “separar” é bem a palavra, mas é porque quando você tem Síndrome, todos os problemas parecem mais intensos. Coisas muito simples tornam-se muito grandes, e no livro você vê muito isso, principalmente na Tereza. Então até hoje quando eu leio, e eu tenho mania de grifar livros, eu consigo saber porque eu marquei aquela página em especial, eu lembro exatamente como eu me sentia na hora. Eu consigo entender o livro, mesmo que não seja mais pra mim.”
5- Isabela Lima, My Teddy Bear Party
“Esse livro representa o meu empoderamento. Eu tinha 5 anos quando a minha mãe me deu e acho que é meu presente favorito. Ele é muito pessoal, porque tem o meu nome e o nome dos meus primos, além de trazer um ursinho que eu tinha como personagem. Na época foi um acalento muito grande pro meu coração, porque eu não entendia o que era essa falta que eu sentia. Eu queria ser como aquelas atrizes da televisão, mas todas eram brancas e tinham o cabelo liso. Com 5 anos eu não me via em lugar nenhum. Nenhuma delas eram parecidas comigo e hoje eu vejo como esse presente foi importante. Até hoje nós, mulheres negras, procuramos por reconhecimento e representatividade dentro da sociedade, e foi incrível que a minha mãe tivesse essa percepção quando eu era tão pequena. Ela leu pra mim por muitas noites e eu ficava muito feliz de me identificar numa história. Eu levava ele pra escola até todas as minhas amigas ficarem de saco cheio, óbvio. Eu me mudei várias vezes e por isso não tenho muitas coisas da minha infância, mas esse livro resistiu à todas essas passagens. Cada vez mais as meninas negras estão se enxergando como parte da sociedade e há 20 anos não existia nada disso. Hoje em dia menos mães precisam fazer livros para as suas filhas.”