Você sabia que Grande Otelo também escrevia poemas? Pois é. Sebastião Bernardes de Souza Prata, conhecido como Grande Otelo, foi um dos maiores comediantes do Brasil. O trocadilho inevitável de seu nome, ao chamar de grande o pequeno homem, negro, de origem humilde, com pai morto esfaqueado e mãe alcoólatra, só destaca aquilo que só o humor pode fazer: transformar em graça o que tinha tudo para dar errado.
Grande Otelo começou no teatro mambembe, passou para o Teatro de Revista, para o cinema e chegou a trabalhar em filmes de Orson Welles – que o considerava o maior ator brasileiro – e Werner Herzog. No cinema nacional, encontrou Oscarito com quem fez grande parte dos sucessos da carreira. Posteriormente, protagonizou a clássica adaptação de Macunaíma, de Mário de Andrade por Joaquim Pedro de Andrade.
No entanto, para quem não sabe, sua carreira não parou por aí. Em uma entrevista com Marilia Gabriela, Otelo sempre humilde, sempre falando de seus talentos como se fossem frutos de uma natureza sábia e infinitamente gentil, afirmou “fazer alguns poemas que guardava para si.” Ele sorria sem graça como se revelasse algum segredo.
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Esses poemas existem e, algum tempo depois, foram lançados como o título “Bom Dia, Manhã” (1993). Com esta única edição, entretanto, estes poemas se perderam pela nossa história sendo quase impossível encontrar qualquer registro deles. A vontade de encontrar esses poemas, me fez sair atrás em uma pesquisa e tentar encontrar qualquer menção pública deles.
Achei apenas uma: em uma página do governo em memória ao autor, é possível encontrar alguns desses poemas que, em geral, possuem uma característica simples, quase com um caráter de anotação, como se o ator rabiscasse em um papel um pensamento apenas para tira-lo de si, sem intenção de coloca-lo no mundo. Alguns, são de uma simplicidade crua da língua, fluem como nossa fala, outros, parece, falam demais sobre aquilo que chamamos de vida.
Confira alguns desses poemas:
Desejo
O meu mundo eu carrego
Fazendo tudo, pra carregar sozinho
Ninguém poderia, mesmo querendo
Me ajudar a carregar
Este meu complicado mundo
Pesa muito e eu paro às vezes
Nos dias, semanas e meses
Em que este mundo pesa demais
E quando eu paro, choro e canto
Sem ninguém pra espiar
O choro que eu tenho pra chorar
E é baixinho, o canto que tenho pra cantar
Que é pra ninguém escutar
O canto que eu quero cantar
Que é pra ninguém escutar
O canto que eu quero cantar
Vou carregando com ele
Solitário nesta vida inteira
Levando sem saber pra onde
Meu velho mundo sem porteira.
A formiga que se perdeu
Eu não sei se foram meus olhos
Não sei se foi tua voz,
Eu só sei que quando nos vimos
Maravilhosa, maravilhosa
Aconteceu entre nós
Ao som de velhas canções
Vamos vivendo curvas emoções
Pra nós dois houve até luar
E ouve serenatas de serenar
Depois o dia a dia dos dias
A vida, da vida de viver
Tua voz arranhou meus ouvidos
Os meus olhos deixaram de te ver
Agora eu quero caminhar,
No caminho
Já sei de tempo,
Não sei mais de carinho
Asas abertas eu quero voar.
Sou esplendido !
Caminhei contra o vento
Eu fui, eu voltei.
Agora que estou aqui
Agora que eu cheguei,
Sou esplendido eu sei
Tive a coragem
De caminhar contra o vento
Caminhei, fui e voltei
Sem lenço e sem documento
Agora que eu voltei me sento
Conto pra todo mundo
O que foi
O meu caminhar vagabundo
Contra o vento
Sem lenço, sem documento
Foi assim que eu caminhei
Será que você vai caminhar
Não sei, não sei, não sei…
Vida de negro
E dali, a alma da gente ficou vibrando
Como di fosse uma corda de violino…
Tudo pode acontecer!
Está se vivendo… Tudo é possível
Dentro da vida!…
Si a vida parasse,
Talvez fosse possível sofrer menos…
Mas como?
A vida não parou não, moço!
Caminhou sempre junto com a gente…
Si a gente não caminhar com ela
Vida, se dá mal.
É melhor seguir este ritmo
Horrível, monótono
Como um zabumba de negros
No meio da selva.
Brasil – Minas Gerais
Oh terra minha
De emoções primeiras
Batida de sol
No alto das laranjeiras
Amo as tuas chuvas
Depois as tuas lamas
E depois tuas poeiras
Nos caminhos descaminhados
No sem fim dos desandados…
Você é minha, sabia, terra?
Tudo de bom e de mau
Que o meu peito encerra
Você nos deu no fruto sumarento
Me deu no leite grosso
No coquinho amarelo gosmento
Na flora, fauna e no pomar
Que em canto
Canto de verde
Me acostumei a encontrar
Podia falar mais, muito mais
Mas você é muito grande pra mim
Minas Gerais.
E aí, o que achou dos poemas de Grande Otelo? Comente aqui!
Fonte: http://www.ctac.gov.br/otelo/index.asp
http://www.planetatela.com.br/noticia/grande-otelo-100-anos-ou-talvez-98-tanto-faz/
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