Assistir “Resistentes”, de Patrícia Lobo traz uma sensação completamente familiar para os que conhecem as particularidades da Zona Oeste de São Paulo. “Imensas manhãs na Pompéia tem jeito, cheiro e vida”, escrevi diversas vezes enquanto caminhava pelas linhas curvas do bairro. Os bares que frequento há tantos anos, as pessoas que converso no dia a dia são entrevistadas no documentário e transportam para Pompéia que, como diz Marcia Crespo durante o documentário, é realmente o bairro dos encontros.
O filme caminha pela Zona Oeste apresentando memórias íntimas, de afeto e dor. A brusca mudança que vem sendo implementada nos últimos anos pelo Plano Diretor (2014), é o tema central do filme. Embora os argumentos do plano sejam específicos, empreiteiras avançam sobre o bairro com intuitos que fogem da dinâmica dos bairros, se esquivando de qualquer tentativa de diálogo.
Vila Madalena, Perdizes, Pompéia, Lapa: conhecer a própria história da região por ela mesma faz um batidão de emoções, e só assistindo podemos perceber. O documentário apresenta visões de todos os ângulos dos bairros que hoje se veem encurralados por prédios e mais prédios. A sequência do filme, misturada com cenas de “Tempos modernos” de Charlie Chaplin, nos coloca de frente a nossa própria opinião sobre a verticalização das cidades, suas teóricas e utópicas vantagens e sua realidade menos feliz.
Pude presenciar a Zona Oeste de 2014, quando os primeiros moradores começaram a ser abordados por empresários e construtoras com propostas indecentes de compra de suas casas, terrenos e memórias. O recente crescimento dessas construções tem causado movimentos diversos no bairro, que pouco a pouco começa a se articular de uma nova forma para receber outras gerações, que não conhecem de verdade os encontros que a Zona Oeste pode oferecer. O conhecer-se ficou para trás.
Morei em Perdizes perto da prainha, do lado do Requinte, a poucos metros do Seu Gabim, o baião de dois sagrado das tardes de sábado. As longas caminhadas entre os bairros reforçam a qualidade de vida implícita da Zona Oeste: quase tudo podemos fazer a pé. Toda semana rever a Cayowaá e reparar mais uma torre subindo. Hoje, o carro é a melhor opção para quem chega desavisado nas ruas onduladas da Pompéia. Estrangeiros não sabem que atrás da Rua Clélia, na Lapa há uma casa de nhoque caseiro tocados por duas senhoras, irmãs, que levaram à frente o negócio da família. Temas como este costuram “Resistentes” ampliando o entendimento que nunca é dado saber diretamente à população: como a verticalização realmente opera, nas grandes e pequenas camadas sociais.
A lógica dos shoppings e centros comerciais não funcionam ali, mas quem implementa esse adensamento mobiliário não quer saber disso. Os “piscinões” previstos para serem construídos nas praças da região extinguem os encontros espontâneos que desenham o bairro, e já que o mercado exige retorno financeiro, praças seguem desaparecendo. Muito bem colocadas, as falas e depoimentos ao longo do filme abrem camadas mais profundas do que significa abrir um novo metrô que faça com que ali circulem mais pessoas.
“Resistentes” faz um belo recorte temporal, cultural e afetivo da Zona Oeste de São Paulo que, dentre todas as suas complexidades, continua tendo um jeito, cheiro e muita vida.