Filho de Mil Homens, de Valter Hugo Mãe, com a história de Crisóstomo, um homem de meia idade e solitário – habitante de uma espécie de terra-praia-deserto, uma cidade pequena sem perspectivas – que sonha em ter como companhia para a vida um filho e, por fim, uma esposa. Um dia ele resolve pedir ao mundo, com todo coração, que realize seus desejos e assim se faz. Ao lado de Camilo e Isaura, Crisóstomo descobre o que é o amor de pai e o amor de homem, ao mesmo tempo em que nos faz conhecer uma série de personagens e figuras desta vila a beira mar: uma anã que era constantemente estuprada, um homossexual que sofre a rejeição da mãe e da sociedade, um senhor solitário que quer uma esposa apenas para cuidar de si, entre outros. Um livro sobre o afeto humano quando alguma coisa na ordem da sociedade parece ter dado errado. (Leia mais aqui!)
O NotaTerapia separou as melhores frases da obra:
Pensava que quando se sonha tão grande a realidade aprende.
A companhia de verdade, achava ele, era aquela que não tinha por que ir embora e, se fosse, ir embora significaria ficar ali, junto.
Quem tem menos medo de sofrer, tem maiores possibilidades de ser feliz.
Não saia de casa, que o vento ainda a leva, não saia de casa, que o frio ainda a racha, não saia de casa, que um carro ainda a atropela, você não saia de casa, diziam. Não saia de casa, que andam cães misturados com lobos pelas ruas e por um ossinho seu ficam malucos, como bichos do diabo.
Entre si, as vizinhas comentavam que triste seria a vida sem o amor, e o amor naquele povo não era romântico, era só o ter um homem, deitar com um homem, sentir como um homem vasculha o interior de uma mulher.
Pensou que o rapaz tinha ido embora diferente dela. Não podia ser que o amor tornasse as pessoas diferentes assim, a menos que não fosse amor nenhum.
Se o amor fosse o sexo e outra coisa qualquer, tinha de ser o sexo e a espera, a capacidade de esperar por alguém.
O passado não corre.
Ser o que se pode é a felicidade. A felicidade é a aceitação do que se é e se pode ser.
Ela perguntou: o boneco tem nome. Ele respondeu: não. Ela disse: que sorte, assim não precisa ser ninguém. Quem não é ninguém não lhe falta nada. Nem lhe falta o amor, nem espera por nada.
O susto de um homem importa mais que mil sustos de uma mulher.
O amor era uma atitude. Uma predisposição natural para se ser a favor de outrem. É isso o amor. Uma predisposição natural para se favorecer alguém. Ser, sem sequer se pensar, por outra pessoa.
Tudo era antes do silêncio. Tudo era pressa e urgência.
Deve nutrir-se carinho por um sofrimento sobre o qual se soube construir a felicidade, repetiu muito seguro. Apenas isso. Nunca cultivar a dor, mas lembrá-la com respeito, por ter sido indutora de uma melhoria, por melhorar quem se é. A aprendizagem estará feita e o caminho livre para que a dor não se repita.
Todos nascemos filhos de mil pais e de mais mil mães, e a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo, para que nos pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo. Como se os nossos mil pais e mais as nossas mil mães coincidissem em parte, como se fôssemos por aí irmãos, irmãos uns dos outros. Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa a pessoa, que nunca estaremos sós.
Edição: Biblioteca Azul, 2016