A notícia é de 2024, mas a conquista será sempre motivo de inspiração e celebração. A resistência, a persistência e a superação foram determinantes para que Patrícia Rosas realizasse o seu sonho: ser professora.
Mesmo com inúmeras dificuldades, Patrícia nunca abandonou a escola. Boa parte da infância ela dividiu a rotina entre os estudos pela manhã e, com função de catadora, no lixão à tarde. Até os 9 anos de idade, ela catava principalmente ossos, que eram vendidos para uma fábrica. Com o valor recebido, conseguia comprar comida.
Leia também: Aos 70 anos, ex-faxineira realiza o sonho de entrar na faculdade e inspira com sua determinação
Diante de uma época financeiramente difícil, a família se estabeleceu num barraco no lixão, que por muito tempo funcionou no bairro do Mutirão, em Campina Grande, Paraíba.
“Eu entrei na escola com sete anos. Estudava em um turno e vivia do lixo no outro. Nunca fui repetente. A escola pública pra mim é uma coisa que tem muito valor. Na escola pública era onde eu tinha merenda. Eu tinha proteção, estava afastada dos perigos. Onde eu aprendi”, recordou.
Atualmente, ela atua como professora efetiva do departamento de educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mas se lembra que, mesmo nesse cenário adverso, não se deixou abater:
“Eu sempre fui muito focada na educação. Eu já tive pés cortados dentro lixão, mãos cortadas dentro do lixão. Mas nunca me impediu de ir pra escola. O lixo pra mim era a sobrevivência. Eu estudava de manhã, catava lixo de tarde. Estar no lixo era saber que eu ia conseguir comer em casa. Eram duas forças que me moviam muito”, destacou.
Nem todos os irmãos de Patrícia puderam seguir o mesmo caminho, porém, desde muito cedo, ela já apostava que a educação seria capaz de uma mudança de vida: “A gente cresce com a ideia da mãe que fala ‘estude pra ser alguém na vida’. Eu acreditava que pra ser alguém, a gente tinha que passar pela escola. Esse alguém não como pessoa, mas de mudança de status social. O que vai permitir que eu saia do lixo é o caminho da escola. Isso eu sempre tive muito claro”.
E assim permaneceu ao longo do tempo, dedicando-se paralelamente aos estudos, nas madrugadas, e ao trabalho, durante o dia. Trabalhou de babá, de doméstica, em açougue, no roçado, vendeu produtos de revista e, muitas vezes, trabalhou em troca de comida até conseguir seu primeiro emprego como professora.
Ainda, segundo Patrícia, dois fatores foram essenciais para que não desistisse – a primeira foi a fé em Deus e a inspiração em pessoas que também batalharam e conseguiram conquistar os próprios sonhos.
Embora considerasse que ser professora de uma universidade era um sonho distante, ela contava com a confiança de quem nunca havia parado de estudar. Após a graduação, fez mestrado, doutorado e pós-doutorado. “Quando você estuda muito, você começa a acreditar que aquilo é seu também, que a universidade também é o seu lugar. Eu achava um lugar muito distante pra mim. Faz uns dois anos que comecei a acreditar e comecei a me preparar. Nós podemos estar onde queremos estar”, ressaltou.
Além disso, a professora reforçou a importância da educação pública para o funcionamento da sociedade – ‘Eu sou uma história de superação da escola pública’.
“As pessoas falam em tecnologia, desenvolvimento. Nada disso vai acontecer se não passar pelo banco de uma escola. A educação é primordial pra qualquer mudança. Eu acredito muito na escola pública, na educação pública. Dessa escola que vão surgir as pessoas que vão mover o país. Eu sou uma história de superação da escola pública”, concluiu.
Trajetória
Foi com a primeira professora, Rosa, na escola municipal Luiz Cambeba, que Patrícia se sentiu inspirada para seguir a carreira docente.
“Eu vinha do lixão, e aquele mau cheiro do aterro estava impregnado em mim. Eram horas e horas mergulhada nos resíduos, catando comida, brinquedos, roupas e utensílios para casa. Ao chegar à escola, a professora me abraçava na porta, e seu perfume impregnava minha roupa. Foi nesse momento que surgiu a certeza em mim: ‘Eu quero ser professora para ter esse cheiro de perfume’”.
Nos anos 2000, cursou o magistério e, logo em seguida, o curso de Letras na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Na época, fez concurso público para docente numa cidade do interior. Dando sequência aos estudos, fez o mestrado na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e, após, o doutorado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Após concluir o doutorado em 2017, dedicou-se unicamente à educação básica e, em 2024, tomou posse no concurso como professora efetiva na UFPB.

Conciliando os estudos com a carreira docente, criou a Revista Tertúlia e o Projeto de Leitura Desengaveta Meu Texto, que, posteriormente, conquistaram prêmios nacionais e reconhecimentos importantes, como três indicações ao Prêmio Jabuti, o prêmio Os melhores programas de Incentivo à Leitura junto a crianças e jovens do Brasil, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e o Prêmio LED – Luz na Educação da Rede Globo.

Em 2024, sua história foi publicada em livro. Confira:

Sinopse: No sufocante odor do lixão, sob o sol escaldante, eu catava ossos para vender e comprar comida. Embora meus pés estivessem presos àquela realidade, minha mente alçava voo aos céus, recusando-se a ser definida pelo lixo. Neste livro, compartilho minha jornada incrível, da degradação do lixo à docência na UFPB. Convido o leitor a descobrir como fé, resiliência e educação transformaram uma ex-catadora em uma professora determinada, trilhando caminhos improváveis. E tudo por causa de um perfume!
Veja o vídeo:

