As 17 melhores peças de teatro que passaram por São Paulo em 2024

Dentro os mais de 50 espetáculos que a equipe do Nota assistiu ao longo do ano, algumas produções se destacaram. Se para mim parecia impossível uma lista que não considerasse “A Casa dos Budas Ditosos” e “Esperando Godot”, para o Gabriel Batista, também colaborador do Nota, o destaque ficou para o belo espetáculo “Enquanto você voava, eu criava raízes” e “Tá pra Vencer”. A lista, que não obedece uma ordem de preferência, também não se limitou a um número fechado: escolhemos aquilo que mais nos emocionou durante 2024.

Os melhores espetáculos de 2024, por Leonardo Simões

1. O Veneno do Teatro

Ao ser convidado por um Marquês (Osmar Prado) para representar um texto de sua autoria, um ator (Maurício Machado) se dá conta de que a peça, na verdade, é um jogo psicológico mortal. Dirigido com muita elegância e calma por Eduardo Tolentino de Araújo, “O Veneno do Teatro” ultrapassa os limites entre realidade e fantasia para reafirmar o poder da palavra.

2. Fantasmagoria XI

Durante meia hora, com a voz monocórdica, sentado na lateral do palco, Guilherme Weber repete o mesmo texto. Não me lembro exatamente de suas palavras, mas a cena evocava o prazer no tédio e, sobretudo, o desafio de sempre encontrar algo novo na repetição. Foi uma das cenas mais polêmicas – e impactantes – que vi no teatro em 2024 porque reúne coragem, ousadia e tradição em tempos onde esses pilares se dissolvem em representações instagramáveis. O testamento do grupo Ultralíricos, fundado por Felipe Hirsch, ainda não parou de ser encenado na minha cabeça. 

3. Let’s Play That – Ou vamos brincar daquilo 

A obra de Torquato Neto está fragmentada entre letras, poemas, crônicas e o que mais o papel lhe permitia fazer. Mas sua resistência à ditadura militar, talvez, seja a criação que não pode ser contida – ou explicada – por nenhuma página. Criado com muito apetite por Tuca Andrada, a encenação reúne tudo aquilo que Torquatto poetizou em uma peça que abre diálogos importantes com os tempos atuais. 

4. Inútil Canto e inútil pranto pelos anjos caídos 

Ícaro Rodrigues em cena

O sistema prisional brasileiro é personalizado na figura de um agente penitenciário. Nesse texto escrito por Plínio Marcos, dirigido por Roberta Estrela D’alva, toda a complexidade do cárcere é engolida pela interpretação de Ícaro Rodrigues, um ex-agente que encontrou na arte um modo de quebrar muitas grades. O espetáculo solo foi idealizado e protagonizado pelo ator, que trabalhou como agente antes de se dedicar aos palcos.

5. Erga Omnes

Com direção e coreografia de Vanessa Macedo, o espetáculo da cia. Fragmento de Dança emula um universo em que a justiça, o julgamento e a injustiça trocam constantemente de lugar. Diego Hazan, Gabriela Ramos, Maitê Molnar, Peter Levi, Prudy Oliveira e Vanessa Macedo escreveram com o corpo uma trama sensorial, instigante e profundamente bela.

6. A Casa dos Budas Ditosos

Baseado no livro de João Ubaldo Ribeiro, a peça voltou aos palcos após 20 anos. A premiada Fernanda Torres, genial em cena, mantém a vitalidade do espetáculo, mas o novo contexto brasileiro, muito mais conservador, eleva sua representação para outro lugar em que a protagonista faz uma espécie de radiografia do desejo sexual. E ninguém é poupado. Mas a capacidade de Fernanda em fazer rir e chorar – às vezes, na mesma cena – é tão grande, que mesmo as polêmicas tratadas ao longo do espetáculo ganham uma aura cativante, um tipo estranho de sentimentos que só grandes interpretações conseguem inspirar.

7. Rei Lear

Com um elenco formado por drag queens, “Rei Lear” discute como a divisão do poder exclui os núcleos que compõem o reino. A direção de Inês Bushatsky é bastante inspirada e o espetáculo olha para a tradição do texto shakespeariano em busca do que lhe é mais caro. Mas o grande efeito visto em cena é na representação como forma de representatividade. 

8. Álbum de Família

Elenco de “Álbum de Família”

O texto mais polêmico de Nelson Rodrigues ganhou uma encenação que não tem medo de ser teatro. Ao contrário, na visão de Jorge Farjalla, “Álbum de Família” reabastece as ferramentas narrativas do dramaturgo para espelhar a hipocrisia do conservadorismo brasileiro que ainda decepa a sociedade. O elenco e a cenografia se destacaram.

9. Ser José Leonilson

Laerte Késsimos em “Ser José Leonilson”

O artista plástico José Leonilson e o ator Laerte Késsimos dividem as mesmas angústias, dúvidas e pulsos em um espetáculo para além de uma biografia. Como estudo de dois personagens que respiram pela troca com a plateia, em um tipo de respiração boca-a-boca, algo para continuar existindo mesmo depois da “desmontagem”. A beleza de “Ser José Leonilson” está, justamente, na conjugação da vida por meio da arte recíproca. 

10. Édipo REC 

A espetacularização da imagem transformou as tragédias, a dor e a tristeza em “produção de conteúdo”. Se tudo pode ser filmado, “Édipo REC”, do grupo Magiluth, não recusa a trama grega como gênese desse efeito moderno, mas se aproxima dele para destrinchar os tais destinos que todos nós buscamos fugir, criando uma das experiências mais intensas deste ano. 

11. Esperando Godot 

Um dos textos mais encenados do mundo ainda tem algo a dizer, especialmente sobre a ascensão dos messias na cultura e política do Brasil. Última peça dirigida por Zé Celso, esta versão de “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, faz uma inflexão antropofágica ao beber de “Crise da filosofia messiânica”, escrito por Oswald de Andrade: não devemos esperar por Godot, que está morto. Logo, nesse mundo de falsos deuses, tudo é permitido. 

12. Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir

Uma atriz entra no palco, senta-se em uma cadeira simples e lê um texto. Só isso. Mas Fernanda Montenegro, uma das maiores artistas brasileiras, transforma a simplicidade desse gesto em uma celebração à beleza. Raras vezes vi algo tão palpável, tão puro e vívido ao mesmo tempo, capaz de empurrar você para dentro de outra realidade. Tamanha força vazou pelas paredes do Sesc 14 bis e transformou o parque do Ibirapuera em arena. Ao unir texto e gesto, Fernanda, à sua maneira, criou um marco para nossa cultura que poderia servir de exemplo: Laura Cardoso lê Adélia Prado, Zezé Motta lê Clarice Lispector, Denise Weinberg lê Ferreira Gullar….

Os melhores espetáculos de 2024, por Gabriel Batista

1. Enquanto você voava, eu criava raízes 

A companhia franco-brasileira Dos à Deux, cria o que eu posso chamar de experiência, pois por meio de uma performance extremamente elaborada, é possível ser atravessado por diversos sentimentos sem ao menos uma fala. A companhia trabalha com construções de imagens sincronizadas pelos artistas, uma luz que compõe o espetáculo fazendo com que essas imagens se tornem mágicas e deem tamanhos desproporcionais aos dos atores. Acredito que foi o trabalho mais lindo que vi, talvez em décadas.

2. Puma 

Puma é um espetáculo que me pegou de surpresa pela complexidade e conjunto de sua dramaturgia, direção e atuação. O solo escrito por Sérgio Mello, tem como cerne as relações difíceis entre pais e filhos, e os traumas causados por essas relações. Um monólogo inteligente, denso e complexo, que nos faz pensar em nossas relações familiares e seus impactos.

3. Quartos de Hotel 

Ao apresentar para o público Quartos de Hotel, um texto de 2012, o grupo cria uma atmosfera cômica para abordar assuntos tão complexos, quanto as nossas relações sociais e desejos íntimos. Guiados por Mário Bortolotto que escreve e dirige a peça, o grupo atinge o espectador em todas as camadas possíveis, desde um simples entretenimento, até questões Freudianas. O grupo Cemitério de Automóveis, com sua simplicidade eficaz, temas envolventes e uma poética elaborada, apresenta mais um espetáculo que pode perdurar anos em nossa mente, de tão grande que é.

4. Tá Pra Vencer 

O espetáculo, escrito por Johnny Salaberg e dirigido por Naruna Costa aborda com humor a dor de um burnout, dando maior visibilidade para periferia, algo em que muitos momentos é esquecido por parte da sociedade, por associar sempre o burnout ao trabalho em escritórios. O texto é bem refinado e as atuações são impecáveis, fazendo dessa uma das melhores obras que vi em 2024.

5. Vestido de Noiva 


Nelson Rodrigues, ficou algum tempo sem ser encenado pela complexidade exigida, em entender as camadas de personagens tão complexas, algo que eu acredito que somente mulheres podem entender, e ter a coragem de realizar um desafio como montar Vestido de Noiva, pois a partir do momento em que se expõe em cena esse texto, não temos que estar preocupados com a narrativa rodriguianas, mas as dores e as feridas causadas ao entender a complexidade dessas personagens, coisa realizada brilhantemente por esse grupo de mulheres que com esse reencontro com Nelson Rodrigues desenvolvem uma das obras mais interessantes do teatro brasileiro.

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