“Jurado Nº 2” (2024): Clint Eastwood retrata em filme de tribunal a justiça que rebate em cada um de nós

“James Sythe é um homem mau”, declara a promotora Faith Killebrew (Toni Collette) para o grupo de jurados encarregados de dar o veredito onde James (Gabriel Basso) é acusado de matar a própria namorada, Kendall Carter (Francesca Eastwood). Já Eric Resnick (Chris Messina), advogado de defesa, aponta que o verdadeiro “homem mau” responsável pelo crime continua à solta, visto que seu cliente é completamente inocente.

Por ironia do destino, este homem maligno está sentado no banco de jurados responsável por definir o destino de Sythe: Justin Kemp (Nicholas Hoult), redator de uma revista, sóbrio há 4 anos, prestes a ser pai. Não é a imagem comumente associada a um “homem mau”, e ele só percebeu seu envolvimento no caso no Tribunal, percebendo que os fatos se alinham com a noite onde achou que havia atropelado um cervo. A culpa o corroi a ponto de precisar vomitar no banheiro após perceber o que fez. Um homem mau? De forma alguma, o que não o impede de ser culpado por um crime terrível.

Jurado Nº 2, novo filme de Clint Eastwood, gosta de bagunçar as definições que balizam o sistema judicial e todo o discurso ao seu redor. É comum, por exemplo, que Faith e Resnick usem os mesmos termos, mas os transformando a seu favor, como o “homem mau”. A montagem brinca com esse contraste, colocando as declarações uma atrás da outra, evidenciando a flexibilidade dos termos.

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Nesse sentido, é um filme que flerta com o ensaístico, pois está mais interessado em desenvolver uma discussão sobre Justiça do que em promover situações mais dramáticas. Diante da premissa, era de se esperar uma obra tensa, onde Justin precisará lidar cuidadosamente com seus colegas de júri para que sua culpa não seja revelada, ao mesmo tempo que busca inocentar Sythe. Esses elementos até estão presentes, mas não se tornam o foco. Jurado Nº 2 até mesmo brinca com as expectativas do filme que ele “deveria” ser, introduzindo um personagem detetive que chega perto da verdade, mas logo sai de cena. 

O que fica é Justin remoendo sua própria culpa e Faith começando a perceber que, talvez, o caso simples não é tão simples assim. Há um toque de 12 Homens e Uma Sentença no que diz respeito a relação entre os jurados, mas bem longe do conto moral de Lumet, da busca por fazer a coisa certa, de um homem bom convencendo os outros a tomarem a decisão correta. “Fazer a coisa certa” e “homem bom” são termos nebulosos no filme de Eastwood, o que existem são pessoas e suas convicções, algumas maleáveis, outras menos.

Conforme Jurado Nº 2 avança, os papeis se tornam mais difusos, e o significado das palavras ficam cada vez mais em xeque. Ao escutar o veredito do Júri, Faith encara com certa desconfiança o lema dos Estados Unidos pendurado atrás da Juíza: “In God We Trust”, em Deus confiamos. Mas, talvez, a Justiça nada tenha a ver com Deus, e tudo que há são pessoas comuns, lidando com seus piores impulsos e questões de vida na hora de decidir o destino de outra. Um dos membros do júri diz que quer encerrar logo a deliberação, pois seus filhos estão sozinhos em casa. O que “Justiça” quer dizer diante das necessidades práticas da vida? Entre o ideal e o real, o que vence?

Não há resposta fácil, e o filme não as procura. Jurado Nº 2 desafia constantemente as noções do que significa ser uma pessoa boa ou justa, assim como contesta toda a concepção de Justiça. Se os jurados são falíveis e cansados, o que dizer de todas as pessoas envolvidas em um caso criminal até ele chegar ao julgamento? A imagem símbolo da justiça, a mulher vendada com a balança nas mãos, é uma bela idealização, pois no fim do dia, são os humanos falhos que decidem tudo, mesmo que a verdade nunca desapareça totalmente.

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