A ditadura militar brasileira usou a censura como uma de suas ferramentas mais contundentes para controlar a produção cultural e ideológica do país. Assim, diversos tipos de expressões artísticas passaram pelo crivo de um Estado vigilante, que proibiu obras consideradas uma ameaça à manutenção do poder. Resumidamente, essa prática mirava narrativas que denunciavam a violência do regime, expunham contradições políticas e sociais ou ofereciam visões alternativas que estimulavam reflexão e pensamento crítico. Ou seja, entre os livros que a ditadura militar censurou estavam aqueles que exploravam temas como a repressão, a tortura, a violência e a desigualdade. Nos dias atuais, sob um regime democrático, essas obras são como pilares fundamentais da literatura e da memória histórica.
Recentemente, o filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, traz uma reflexão sobre a importância da memória em uma sociedade. O filme toca em temas que também permeiam esses livros censurados: como o apagamento do passado nos deixar à mercê dos mesmos erros. Em suma, a película propõe uma imersão sensível na memória coletiva, mostrando como experiências individuais constroem o tecido histórico de uma sociedade. Primordialmente, é essa mesma luta pela memória que atravessa as obras literárias censuradas na ditadura e que as torna tão relevantes e necessárias hoje.
A literatura e a memória cultural
Durante os anos de repressão, a censura agia com intensidade para restringir as manifestações culturais que poderiam “corromper” o pensamento da população, especialmente os jovens e as classes estudantis. Nesse sentindo, a literatura, como forma de expressão reflete sobre o mundo, estava entre os principais alvos. Mesmo assim, essas obras sobreviveram e hoje representam um legado de resistência e coragem intelectual. Abaixo, deixo uma lista de livros que a ditadura militar censurou – e que você deveria ler! Apesar da tentativa de silenciamento, essas obras sobreviveram ao tempo e ecoam até hoje a urgência por liberdade de expressão e memória histórica.
Zero, de Ignácio Loyola Brandão
“Zero é um marco na história da literatura brasileira. E o que melhor descreve o que foram os nossos anos de chumbo. A Itália recebeu a primeira edição do livro em 1974, seguida pelo Brasil no ano seguinte. Nesta primorosa edição comemorativa, há depoimentos do autor, fac-símiles do original, reproduções das capas de todas as edições, iconografia de época e um documentário sobre as reações provocadas pelo livro.” Você pode encontrar o livro aqui.
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O casamento, de Nelson Rodrigues
“O casamento, única obra de Nelson Rodrigues escrita originalmente como romance, foi também o primeiro livro a ser censurado num Brasil sob a ditadura militar, em 1966. O governo viu um ataque à sagrada instituição da família brasileira onde, na verdade, o que havia era um retrato fiel de uma sociedade em franca decadência, como mostram os textos de apoio que Bárbara Paz e Paulo Werneck escreveram para esta edição. Por trás dos personagens — um pai de classe média alta, jovens descobrindo a vida e mulheres honestas —, escondem-se tragédias e desejos que retornam inesperadamente. Toda intenção politicamente correta numa realidade urbana à beira do abismo é demolida pela pena de Nelson, que lança luz sobre uma hipocrisia que nossa vista, por si mesma, é incapaz de alcançar.” Você pode encontrar o livro aqui.
Eu sou uma lésbica, de Cassandra Rios
“Em Eu sou uma lésbica, Cassandra Rios narra as aventuras amorosas de uma lésbica dos anos 1960 e 1970, quando as mulheres “aproveitavam o Carnaval para usar calças compridas, camisas e gravatas, caracterizando-se de homem para melhor serem identificadas pelas outras mulheres, as passivas“. O conto foi publicado pela primeira vez em 1980, sob o formato de folhetim, na revista Status.” Você pode encontrar o livro aqui.
O caso da escritora Cassandra Rios é bem mais complexo. Devido à ampla censura durante a ditadura militar brasileira, ela hoje é reconhecida como a escritora mais censurada desse período. As autoridades do regime proibiram 36 dos 50 livros publicados por Cassandra.
Suas obras abordavam erotismo e homossexualidade feminina, sendo consideradas contrárias à “moral e bons costumes” da época. Entre os livros censurados estão: “A Volúpia do Pecado“, “Copacabana Posto 6“, “Eudemônia“, “A Paranóica” e o citado “Eu Sou uma Lésbica“.
A intensa perseguição levou Cassandra Rios à ruína financeira, forçando-a a fechar sua livraria e a perder praticamente todos os seus bens. Diante das dificuldades, ela passou a atuar como ghost writer e a colaborar com artigos e colunas em jornais. Para driblar a censura que recaía sobre suas obras, começou a publicar seus livros de teor erótico sob pseudônimos masculinos. Fonte
Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca
“Considerado um dos principais livros de Rubem Fonseca, “Feliz Ano Novo” reúne contos repletos de violência com uma linguagem precisa e contundente que veio a se tornar a mais significativa marca autoral do escritor. Uma dura crítica social numa obra que há quase quatro décadas se mantém atual e relevante, mostrando o motivo pelo qual Rubem Fonseca se tornou um dos maiores gênios da literatura de nosso país.” Você pode encontrar o livro aqui.
Capitães da Areia, de Jorge Amado
“Capitães da Areia, a história crua e comovente de meninos pobres que moram num trapiche abandonado em Salvador, é talvez o romance mais influente de Jorge Amado. Clássico absoluto dos livros sobre a infância abandonada, assombrou e encantou várias gerações de leitores e permanece hoje tão atual quanto na época em que foi escrito.” Você pode encontrar o livro aqui.
Meninos sem pátria, de Luiz Puntel
“Marcão e Ricardo vivem na pequena cidade de Canaviápolis com a mãe, que está grávida, e com o pai, que é jornalista. Durante uma partida decisiva de futebol de botão, o pai dos meninos chega em casa apavorado, contando que arrombaram a redação do jornal onde trabalha. Alguns dias depois, a família começa a receber ameaças pelo telefone e na rua. O jornalista e a mulher ficam preocupados, até que um dia o pai de Marcos desaparece. Com a ajuda de freiras, eles descobrem que o pai está na Bolívia e começam então uma verdadeira jornada no exílio, passando pelo Chile e pela França. Marcão e seus irmãos vão viver as aventuras da infância e da juventude longe de casa, durante o período do regime militar no Brasil.” Você pode encontrar o livro aqui.
Em câmara lenta, de Renato Tapajós
“De sua cela no presídio Tiradentes, o jovem paraense Renato Tapajós, escrevia os capítulos daquele que se tornaria um dos romances mais impactantes sobre a repressão durante o regime militar. Dobrado em pequenos retângulos envoltos em fita adesiva, o romance Em câmara lenta foi dessa forma sendo levado, aos poucos, para fora da prisão – pelos pais do autor, que os colocavam sob a língua, durante suas visitas.
Quando todos os pedaços puderam ser finalmente reunidos em um volume, o romance foi publicado em 1977, três anos depois da saída do autor da cadeia. No entanto, semanas depois do lançamento, Renato Tapajós, foi reconduzido à prisão sob acusação de incitar a subversão, e uma ordem policial determinou a apreensão dos exemplares à venda. O romance teve outra edição em 1979, quando a ditadura ensaiava uma abertura política, e só agora volta a ser publicado.” Você pode encontrar o livro aqui.