“O Mistério dos Mistérios”: o que causou a morte de Poe?

Lançada neste ano no Brasil em tradução inédita pela editora Cultrix, a biografia ”O Mistério dos Mistérios – a Morte e a Vida de Edgar Allan Poe”, por Mark Dawidziak, busca compreender os mistérios em torno da morte de Poe, cuja causa, até os dias de hoje, não foi determinada. A obra intercala capítulos que tratam da vida de Poe em ordem cronológica e os últimos três meses de sua vida, sempre fazendo um contraste entre as diferentes épocas até as interligar nos capítulos finais, na medida em que nos aproximamos do fatídico dia sete de outubro de 1849, em que Poe faleceu.

As teorias sobre o que causou sua morte são diversas e, para a escrita deste livro, Dawidziak realizou uma extensa pesquisa, consultando desde acadêmicos que estudam profundamente a vida e a obra de Poe, escritores, médicos, cientistas e até mesmo o FBI. O autor faz referência a pesquisas acadêmicas que envolvem a análise de documentação referente à vida do autor bem como investigações forenses em que até mesmo os fios de cabelo de Poe, e de sua esposa, Virginia, foram examinados, com o objetivo de analisar a presença de determinadas substâncias que levariam a possíveis interpretações do que poderia ter causado ou não sua morte.

A vida de Edgar Allan Poe foi breve, apenas 40 anos, mas em seu pouco tempo neste mundo Poe deixou sua marca. Nascido em 1809, em Boston, de um jovem casal de atores, o escritor ficou órfão antes de completar dois anos, tendo sido criado pela família de um mercador chamado John Allan, e sua esposa, Frances Allan. Os Allans moravam em Richmond, deram a Poe seu nome do meio e sustento até a idade em que entrou na universidade, quando surgiram desavenças com John Allan que o afastaram da família adotiva.

Aos vinte e sete anos, o escritor casou com a prima, Virginia Poe, e foi morar com ela e a sogra, sua tia, Maria Poe Clemm, a quem Poe chamava carinhosamente de “Muddy” e considerava como uma mãe. Mark Dawidziak apresenta todos esses eventos de forma bastante minuciosa, trazendo depoimentos registrados de pessoas próximas de Poe e de Virginia.

Dawidziak afirma que a obra tem como objetivo examinar “a vida de Poe através de uma lente formada a partir de sua morte” (2024, p. 17), e é exatamente o que o livro faz, percorrendo em detalhes muito da história da vida de Poe de acordo com diversos dos maiores biógrafos até então, além de entrevistas com pesquisadores.

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Dentre as várias questões das quais Dawidziak trata nas 305 páginas da obra (sem contar com a bibliografia), encontramos desde a infindável discussão sobre a imagem que temos do autor e o homem que ele foi, como se apresentava de fato em sua vida em contraste com a persona que foi construída sobre ele, sempre misturada com a sua obra. Para introduzir essa discussão, o autor traz o fato de que até mesmo Charles Baudelaire, grande admirador de Poe, argumentava que “os personagens de Poe eram projeções de sua personalidade” (p. 20), o que Dawidziak defende ser uma “distorção que perseverou quando nos movemos de um século a outros”. Como contraponto, ele traz o pesquisador Scott Peeples, que afirma que, ainda que “Poe certamente se baseou em sua vida e experiências para seus contos e poemas, como todos os escritores fazem”, é importante observar que “é um equívoco fundamental confundir Poe com seus narradores”.

Dawidziak argumenta que “reduzimos Poe a essa imagem cartunística, deixando uma pequena parte de sua produção literária enquadrar completamente essa percepção distorcida. É como tirar uma foto de Poe do reflexo de um espelho distorcido.” No entanto, é importante lembrar que, apesar de ser um erro tomar Poe por apenas o mestre do macabro, isso é parte de sua obra e algo que o destacou na literatura. Para o pesquisador J. Gerald Kennedy:

“A imagem gótica de Poe pode ser limitante, mas, com certeza, é duradoura, porque há muito de verdade nela”, ao que Dawidziak completa, afirmando que “reconhecer isso é fundamental para entender Poe, mas deixar que isso o defina por completo como escritor subestima-o criminosamente, como artista e como pessoa” (p. 23).

Assim a obra inicia, e então segue intercalando, a narrar desde os primeiros anos da vida do menino Poe, “um menino de face rosada, precoce e com uma imaginação maravilhosamente rica e esplêndida” (p. 67), sua relação complexa com a família adotiva, que, apesar de lhe dar o sobrenome Allan e sustentá-lo até os dezoito anos, nunca o adotou oficialmente, tendo Poe sido deixado sem herança pois, após o falecimento da mãe adotiva, o pai adotivo, John Allan, casou-se novamente e, ao falecer, deixou tudo para a segunda esposa e o filhos biológico que tivera com ela.

A biografia trata ainda da relação de Poe com a jovem esposa, a prima Virginia, que tinha apenas treze anos quando eles se casaram, seus conflitos com outros escritores, devido a resenhas bastante severas e acusações de plágio, flertes com outras poetas que causaram escândalos na época, o debate se Poe realmente bebia demais ou se isso era algo exagerado pelos seus inimigos, como o editor e poeta Rufus Griswold, rival literário de Poe, que escreveu um obituário cruel após a morte de Poe, afirmando que poucos lamentariam a sua partida.

Por fim, após trazer fatos e perspectivas sobre a vida de Poe, sempre intercalando os capítulos entre a vida do poeta em ordem cronológia e os seus últimos meses de vida, o livro fecha apresentando as mais diversas teorias sobre o que pode ter causado a morte do autor. Entre as mencionadas estão cólera, tuberculose, tumor, envenenamento, etc. Dawidziak apresenta diversos pontos de vistas de estudiosos e até mesmo análises científicas dos restos mortais do autor, de forma a investigar a causa mais possível dentre todas imaginadas.

Para saber como se deu essa investigação e a que conclusões o autor chega, recomendo a leitura da obra, que lança luz sobre um mistério há muitos anos discutido. Mistério esse que, na falta do detetive Dupin para resolver, ficamos com a pesquisa acadêmica, que é a melhor forma de conhecer e compreender Poe e sua obra e, por que não, também tentar entender o que causou a sua prematura morte?

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