Hoje, queremos trazer um dos maiores absurdos judiciais e casos de homofobia de todos os tempos. Em 1895, Oscar Wilde estava no auge do seu sucesso, principalmente no teatro com a peça A Importância de Ser Honesto (1895) que estava em cartaz. Na época, Oscar namorava um rapaz chamado Douglas, que era filho do Marquês de Queensberry.
Porém após o Marquês descobrir o caso do filho, acusou Oscar de sodomia. Na época, o termo significava fazer práticas “sexuais não-naturais” como o coito anal. A palavra, inclusive, vem do relato bíblico de Sodoma e Gomorra em que o Deus vingativo do velho testamento destrói duas cidades por suas “práticas pecaminosas.”
Em busca de justiça, Oscar resolveu processar o marquês John Douglas por injúria e difamação. Infelizmente, o autor perdeu o caso. A imagem de um pai magoado, tentando proteger o filho da corrupção moral, juntamente com as evidências das atividades homossexuais de Oscar, conquistaram os juízes.
Wilde: a defesa em um tribunal
Dessa forma, Oscar não apenas perdeu o julgamento, mas foi condenado no processo que ele mesmo começou. De forma repentina, ele deixou de ser o célebre dramaturgo, então com dois sucessos em cartaz, e passou a ser estigmatizado como criminoso.
Mesmo defendendo-se, notavelmente citando no julgamento “o amor que não ousa dizer seu nome”, metáfora para o homoerotismo a partir de um poema de Douglas, foi condenado e preso por dois anos, de 1895 a 1897, com trabalhos forçados em Reading.
Dois Amores
tradução de Cristina Lasaitis
Sonhei estar no alto de uma pequena colina
E diante de mim abria-se o terreno, análogo
a um jardim baldio, que a seu alvitre produzia
botões e flores. Havia sonhadores lagos
de breu sereno e lírios de cor inocente,
flores de açafrão e violetas rubras e brancas,
e os lilases com aparência de serpente
mal eram vistos sobre a relva e a verde trama.
Olhos azuis de pervincas ao sol piscavam;
havia flores pitorescas, antes incógnitas,
tingidas pela lua, ou que do caprichoso
espírito da Natureza se sombreavam,
enquanto esta outra bebeu a nota transitória
de um breve momento do entardecer radioso.
Folhas de grama que em cem primaveras foram
nutridas por estrelas, primorosamente;
e banhadas no mesmo orvalho perfumado
que a taça dos lírios enche, e que vislumbraram
pelos raios de sol a glória de Deus, tão somente,
pois o amanhecer não torna o Céu maculado.
Mais além, brusco, erguia-se um muro de pedra
sob musgoso veludo. Ali fiquei, perplexo
a observar lugar tão bonito e doce e estranho.
Enquanto me assombrava, da parte oposta a esta
chegou um jovem, que levantou a palma num gesto
contra o sol, suas madeixas em desarranjo
ao vento ornadas de flores; na mão levava
um cacho roxo de uvas roliças; seus olhos
eram claros de cristal. Branco como a neve
intacta dos montes gelados, nu ele estava.
Lábios da cor do vinho que caíra no soalho
de alabastro; de calcedônia era sua pele.
De mim se aproximou, amáveis lábios cindidos,
Segurou minha mão e minha boca beijou,
deu-me de comer suas uvas e disse: “Vem,
te mostrarei imagens da vida, doce amigo,
e as sombras do mundo. Repara desde o sul
como o espetáculo sem fim previsto vem.
E — oh! — vi caminhar nos jardins do meu sonho
duas figuras na luz dourada da campina
fulgurante. O que parecia lindo, risonho
e exuberante ecoava doce melodia
cujo refrão enaltecia as damas mais galhardas
e o jovial amor de um menino e uma menina.
Com olhos brilhantes, sobre a grama dourada
dançante, seus pés trotavam com alegria.
Trazia nos braços um alaúde de marfim,
as cordas de ouro como o cabelo das moças,
e cantava com voz de harmonioso clarim.
Em volta do pescoço, três cordões de rosas.
Mas havia um colega caminhando ao seu lado,
terno e lastimoso, com olhos esquisitos
pois eram tão assombrosamente iluminados.
Destarte me olhou e suspirou vários suspiros
que me comoveram. Possuía lábios rubros
feito papoulas; e suas faces eram pálidas
como os lírios. As mãos se crispavam em punhos,
mas vez ou outra se rendiam. De flores da lua alva
era a sua coroa, na cor dos lábios da morte.
Sua túnica rubra ostentava o áureo bordado
de uma grande cobra de hálito flamejante.
Quando o vi, para ele gritei, desconsolado:
“Amável jovem, dize-me por qual razão
andarilhas por este reino encantador
tão triste e suspirante? Conta de antemão,
qual é teu nome?” E ele diz: “Meu nome é Amor.”
De imediato, o primeiro se voltou pra mim
e gritou: “Ele mente, pois Vergonha é seu nome!
Amor sou eu, e estava habituado a neste jardim
andar sozinho, até que ele veio sem que a noite
o invitasse. Sou a chama do amor verdadeiro,
que mutuamente o rapaz e a moça consome.”
E diz o outro, suspirante, “Pois como queiras,
eu sou o amor que não se atreve a dizer seu nome.”
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Na prisão, Oscar Wilde escreveu De Profundis, uma longa carta publicada postumamente em 1905 sobre a sua condição de preso por homofobia, seu processo de justiça e um contraponto à sua filosofia hedonista anterior.