A tradutora Lúcia Peixoto Cherem não resistiu e decidiu aconselhar sua amiga, a pesquisadora canadense Claire Varin. Precisava alertá-la sobre o tipo de reação que sua leitura de Clarice Lispector poderia provocar no Brasil, “uma leitura muito pessoal, pouco acadêmica e identificada demais com a autora. E a referência ao ocultismo, então, talvez seja malvista pela crítica”. Diante do alerta – e de Línguas de fogo, Varin foi sincera ao afirmar:
“O que eu posso fazer? Está lá na Clarice. Não fui eu que inventei.”
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São justamente esses riscos que fazem de Línguas de fogo uma das abordagens mais originais do universo de Lispector, desde que o estudo foi lançado em meados dos anos 1980. Varin teve contato com a obra da autora em 1979, dois anos após a sua morte. O impacto foi tamanho, que não viu outra saída: aprendeu português, viajou para o Brasil, entrevistou amigos e familiares, para entender o mecanismo desse «templo» que é a literatura de CL.
Varin se debruçou sobre as raízes judaicas de Lispector, esmiuçou todos seus livros e passou por temas que a academia costuma deixar de lado, como o misticismo a emergir em seus escritos e nos detalhes da sua vida pessoal. O leitor, assustado, escuta o eco da pesquisadora a cada página: “Está lá na Clarice. Não fui eu que inventei”.
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Em sua obsessão em revirar o universo de Lispector, Línguas de fogo é um estudo fundamental ainda para quem quer entender os perigos e os fascínios da relação autor/leitor. Mas não espere encontrar respostas definitivas aqui. Como bem apontou Otto Lara Resende no prefácio: “Clarice Lispector provavelmente não decifrou nada. Ela própria não gostaria desse papel de charadista, com a impostura de quem desata quebra-cabeças. A incógnita do mundo é sempre a mesma.
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Sobre a autora
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Claire Varin é canadense e doutora em Letras pela Universidade de Montreal. Línguas de fogo é sua tese sobre a obra de Clarice Lispector. Em 2002, recebeu o prêmio da Sociedade de Escritores Canadenses e também o do Conselho de Artes e Letras de Quebec. Além de ensaios sobre literatura, escreve romances, como Clair-obscur à Rio (1998) e La Mort de Peter Pan (2009)