“Basta um”: Flora Nwapa retrata mulher à procura de emancipação na Nigéria dos anos 1970 

Flora Nwapa é traduzida pela primeira vez no Brasil com “Basta um”. Quarto romance da nigeriana ganha edição da Roça Nova Editora

Amaka não consegue ter filhos. Este é o ponto de partida do quarto romance da escritora nigeriana Flora Nwapa, uma das maiores expoentes da literatura africana moderna, publicado originalmente em 1981, que chega agora ao Brasil pela Roça Nova Editora em tradução inédita de Ana Meira e Lubi Prates. Basta um conta a história de Amaka, protagonista em busca de uma vida independente, financeira e amorosamente. 

Amaka é uma mulher que procura viver o amor e sobretudo a maternidade segundo as suas próprias intenções e desejos. Sendo assim, o livro explora uma temática de envergadura para a escrita de Nwapa: a de contar a mulher africana considerada não convencional, tendo a oralidade como forte marca textual. Aos poucos, Amaka se torna a protagonista de sua própria vida: é ela quem toma as rédeas de sua narrativa e conta seus desafios e peripécias aos demais personagens da trama e também a nós.

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Em prefácio inédito para a edição, a escritora e professora Maria Carolina Casati  convida o público a conhecer a história de Amaka, personagem repleta das mais diversas subjetividades, “de peito e mente abertos”, destacando a relevância da figura e da obra de Flora Nwapa para uma constelação de outras escritoras negras em África e também no Brasil.

Assim, quando Flora Nwapa — mulher negra — escrevive a história de Amaka (e de tantas outras), ela também humaniza essa personagem e exige humanidade e dignidade para todas as africanas. É o texto individual que reverbera e concretiza o coletivo. Todas somos gente! É a mulher negra que pode gerar prole própria, deseja fazê-lo e, para tal, não mede esforços. 

Na orelha do livro, o jornalista e professor de africanidades Alexandre dos Santos relembra os conflitos geracionais vividos na Nigéria do começo dos anos 1970, destacando as semelhanças deste país em relação ao contexto brasileiro da mesma época: 

Em sua busca, Amaka vai lidar com as diversas encarnações de uma hipocrisia que transborda das esferas social, política e religiosa. É a Nigéria da década de 1970, mas guardadas as diferenças históricas e sociais, poderia ser o Brasil da mesma época.

Além disso, o pesquisador aponta o exercício que faz Flora Nwapa ao registrar a narrativa de uma mulher como Amaka, que conta não apenas a sua história individual — parcialmente inspirada na história da própria autora —, mas também a de uma série de mulheres que buscam autonomia em um mundo em plena transformação:

Personagens como Amaka são mulheres comuns que desafiam as regras sociais tradicionais em busca da própria emancipação (seja ela afetiva, financeira ou ambas) e da autorrealização. 

Nessa dicotomia entre o tradicional e o moderno, inescapável nas expressões literárias de todo o planeta, Nwapa abriu um caminho seguido por outras estrelas da literatura nigeriana, como Buchi Emecheta, Chimamanda Ngozi Adichie, Ayòbámi Adébáyò

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Por fim, Basta um contextualiza a sociedade nigeriana do tempo da autora e mobiliza discussões sobre cultura, religião, gênero e sexo. Através do retrato de uma profusão de personagens femininas, de diferentes idades, Flora Nwapa expõe diferentes visões sobre temas como o casamento, a maternidade e o sexo.

O romance está imerso em uma conteporaneidade que se faz cada vez mais atual e reflete sobre temas como “casamentos arranjados, submissão ao marido, poligamia, adultério, maternidade, trabalho, educação e pertencimento étnico-cultural”, completa Alexandre, ao afirmar a defesa de Flora Nwapa em sempre se posicionar — afinal, segundo diz um tradicional ditado ibo: “Uma vez mordida, duas vezes arisca”.


Compre o livro aqui:

https://rocanova.com.br/catalogo/basta-um/

SOBRE A AUTORA 

Nascida em 1931, em Oguta, Nigéria, Flora Nwapa é uma das maiores expoentes da literatura africana moderna. Uma das primeiras escritoras africanas publicada

fora de seu país e primeira editora africana, Flora Nwapa foi também educadora e publicitária. Autora de contos, poemas e peças de teatro, Basta um, publicado originalmente em 1981, é seu quarto romance. A escritora faleceu em 1993, em Enugu, e está enterrada em sua cidade natal.  

SOBRE AS TRADUTORAS

Lubi Prates é poeta, tradutora, editora e curadora de literatura. Especialista em direitos humanos, responsabilidade social e cidadania global pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pesquisadora do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano da Universidade de São Paulo.

Ana Meira é bacharela e licenciada em letras pela Universidade de São Paulo. Escritora, tradutora e educadora, possui poesias e contos publicados em diferentes plataformas. É autora da plaquete de poesia Gravidades (Editora Primata, 2019) e participa da antologia Estamos aqui (Revista Cult, 2022).

SOBRE A EDITORA ROÇA NOVA

Fundada em 2008 pelas editoras Laura Di Pietro e Ana Cartaxo, a Roça Nova é uma criação independente que tem como vocação publicar obras de caráter experimental que buscam romper com as fronteiras da palavra e também com as fronteiras físicas e subjetivas que insistem em hierarquizar indivíduos.

Contando com um catálogo diverso — composto por romances, poesias, ensaios e escritos dedicados à infância e à juventude —, atento à pluralidade de vozes, muitas delas dissonantes e oriundas do sul global e das chamadas periferias do mundo, nossa proposta é a de oferecer ao público obras que nos movem e nos comovem, e que, acima de tudo, nos permitem o prazer da leitura.

A Roça Nova trabalha com livros e para além deles. Que palavras, ideias, conceitos, temáticas e linguagens de cada título por nós publicado transbordem na participação ativa em meio aos debates contemporâneos e a nossas vidas comuns.

FICHA TÉCNICA:

Título: Basta um

Autores: Flora Nwapa

Tradutores: Ana Meira e Lubi Prates

ISBN: 978-65-87796-25-3

Prefácio: Maria Carolina Casati

Texto de orelha: Alexandre dos Santos

Número de páginas: 192

Projeto gráfico: Bloco Gráfico

Obra da capa: Manuela Navas

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