“O Casamento de Laucha”: ambivalências gauchescas na literatura argentina

Nas minhas andanças por Buenos Aires ano passado comprei o livro “El casamento de Laucha” (O Casamento de Laucha), do escritor argentino Roberto J. Payró. Escrevendo ali na primeira década do século XX, o romance pode se aproximar, aqui com certa distância, dos nossos livros do naturalismo em que personagens estão imersos em sua própria natureza e cujas aparências físicas – tal qual nas pesquisas de Lombroso – diriam se você é uma boa pessoa ou tem uma estrutura para as maldades do mundo.

Laucha é um desses casos. A própria palavra Laucha, apelido do protagonista do livro, significa “ratazana”, no pior sentido pejorativo, mas também traz consigo o sentido de uma pessoa esperta, malandra, sagaz ou insignificante. O nome de Laucha é descrito com sendo “su único nombre posible”, com uma descrição assim:

“Era pequeñito, delgado, receloso, móvil; lá boca parecía un hociquillo orlado de povo y rígido bigote; los ojos negros, como cuentas de azabache, algo saltones, sin blanco casi, añadian a la semejanza, completada por la cara angosta, la frente fugitiva y estrecha, el cabello descolorido, arratonado”.

O livro, um romancinho ou uma pequena novela, conta justamente a história desse sujeito, o Laucha, que no melhor estilo “gauchesco” anda pelas terras da Argentina na busca de sobreviência. Após pegar uma carona, Laucha consegue um emprego na casa de Dona Carolina, uma italiana rica que, após poucos, vão confiando a Laucha o controle de seus trabalho. Uma vez lá, trata da empreender na propriedade de Carolina: ele faz viagens em que traz matéria-prima e produz uma série de bebidas para revender na região e ampliar seus lucros. Porém, suas intenções são outras, ele faz disso uma escada, uma forma de aproximação com Carolina a quem seduz, casa e começa a mostrar sua verdadeira face.

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O mais gostoso do livro é que a figura de Laucha é tão imediata em seus sentimentos, ou seja, a diferença entre interior e exterior é tão curta, que acompanhamos com certo humor e ironia suas intenções nem sempre boas, nem sempre escusas. É curioso também pensar que é uma das primeiras vezes há uma inversão narrativa na literatura argentina que deixa de ser narrada por alguém de fora e passa a ser narrada pelo próprio sujeito que vive a situação, ainda que embora no começo haja uma apresentação de quem nos conta a história.

Uma das gratas surpresas, o livro passa como uma flecha, numa representação potente, curiosa e também um pouco preconceituosa sobre a cultura popular do povo argentino, a cultura gauchesca, a cultura criolla, mas, também por isso, um belo retrato do quanto se precisa fazer para sobreviver em um mundo em que oferece tão pouco para as classes baixas.

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