Você já leu os melhores textos de Danuza Leão, principalmente a sua biografia? Danuza Leão nasceu em 1933, em Itaguaçu, Espírito Santo, em uma família de classe média. Aos 10 anos mudou-se com a família para o Rio de Janeiro e aos 15 foi a primeira modelo brasileira a ser contratada por uma agência francesa. Irmã de Nara Leão, a musa da Bossa Nova, conviveu com artistas ilustres, como Vinícius de Morais, entre outros. Casou-se várias vezes e nos últimos tempos tornou-se cronista do jornal Folha de São Paulo. No livro Quase tudo (2005, Companhia das Letras), Danuza conta a história de sua vida.
A escritora Danuza Leão, conhecida como “a grande dama da noite” morreu aos 88 anos. Danuza, além de escritora de best-sellers, era também colunista de jornal, atriz, modelo, mãe, avó e bisavó.
O Notaterapia separou os 5 melhores textos de Danuza Leão. Confira:
Uma vida sem luxo
É impossível viver sem ele; só que existem luxos e luxos. Para a milionária Barbara Hutton, a herdeira mais rica dos Estados Unidos, um deles foi mandar fabricar um Rolls-Royce em tamanho pequeno para dar de presente a seu filho, então com 9 anos. E, para motorista do carro, contratou um anão.
Será que ter dinheiro demais pira a cabeça das pessoas, elas nunca ficam satisfeitas? Detalhe: depois de nove casamentos, Barbara Hutton morreu pobre. Para não ser radical, admito que algum dinheiro sempre ajuda, mas não é tão fundamental assim.
Então vou falar de algumas coisas que são, para mim, o luxo dos luxos e que não custam quase nada.
Acordar num domingo de manhã sabendo que a faxineira não vem, que todos os eletrodomésticos da casa estão funcionando e que, com a graça de Deus, o telefone não vai tocar. O dia será silencioso, e o único movimento na casa será o dos gatinhos (agora tenho mais dois) correndo e se enrolando uns nos outros sem emitir um só som. Um domingo assim é um luxo total.
Outra preciosidade é, depois de passar 20 dias sem comer carboidrato, nem unzinho, pegar no armário aquela calça de 15 anos atrás, quando você era uma sílfide, e o zíper fechar. A felicidade é maior do que se ganhasse um brilhante.
E quando você chega da rua, com um calor de matar, pega um copo (bonito, de preferência) e toma uma água bem gelada, não é um luxo? Se puser dentro de uma jarra (bonita, de preferência) cascas de limão-siciliano e deixar na geladeira, vai ser a água mais fresquinha e perfumada que já tomou. Não é um superluxo?
Aí você se refresca num chuveiro e depois vai para o quarto, liga o ar-condicionado e se deita numa cama com lençóis brancos limpinhos, cheirosos. Tem luxo maior? Dar um mergulho num mar azul, sem ondas, sem se preocupar com os cabelos, e depois tomar uma água de coco? E então comer um peixe grelhado, temperado apenas com sal, limão e um fio de azeite.
Depois de passar por várias paixões sofridas e alguns casamentos errados, não estar apaixonada é um luxo. Uma sexta-feira, às 7 da noite, você está sozinha, sem a angústia de esperar aquele telefonema. Sente-se independente e decide sair. Enquanto pinta o olho, começa a pensar em que restaurante vai sem ninguém para dizer que prefere outro. Quando chega lá, toma dois drinques sabendo que é uma mulher livre e resolvida, que não precisa de ninguém para uma coisa tão banal, que é jantar fora. Não é um luxo? Bom demais é ter resistido à compra daquele vestido lindo, que fez você ficar duas noites sem dormir pensando “compro ou não compro?” e passar pela loja uma semana depois, ver que ele está em liquidação, pela metade do preço, e que você nem o quer mais.
Aos jovens
Você que tem 20, 30 ou 40 anos, fique alerta: essa idade vai passar, e mais depressa do que imagina.
Não perca tempo, por favor, sofrendo porque a mãe ou o pai sei lá o quê.
Nada importa; quem tem 25 anos deve aproveitar a vida a cada segundo. Talvez seja inútil dizer isso, porque quem tem 25 não ouve os mais velhos, mas é muito bom ter 25. Não importa se o dinheiro está curto, se foi abandonada pelo namorado, se o futuro é incerto. Nessa idade, não há futuro certo ou incerto, há muito mais: há futuro.
Aproveite; se estiver triste em casa nesse domingo, sem amigos, nem amores nem dinheiro, pense: sou jovem, tenho uma vida pela frente. Isso é melhor do que todas as glórias do mundo, só que ninguém diz isso aos que têm 25. A mim, ninguém nunca disse.
Não dizem talvez por inveja; é mais fácil mostrar que a vida é dura, que é preciso estudar, trabalhar – o que também é verdade; mas ninguém pega uma menina ou uma garoto de 25 pelos ombros, sacode e diz: “Você tem 25, não se esqueça disso um só minuto, viva sua juventude. Aproveite e viva, porque ela vai passar.
E passa. Não que aos 50 não se tenham outras alegrias, outras compensações; mas saber que os de 25 não se dão conta do que estão vivendo é quase revoltante. Seria preciso que eles pensassem, de hora em hora, a cada minuto: “Tenho 25 anos”.
Nessa idade não temos obrigação de nada, a não ser a de sermos felizes. Se o seu time perdeu o campeonato, se os juros estão altos, se o Waldomiro não foi preso, olhe seu joelho, bote uma saia bem curta e vá dar uma volta no quarteirão. Coma um sanduíche bem engordativo, beba um refrigerante não diet, deite num banco de praça, de preferência debaixo de uma árvore, e olhe o céu através das folhas, mais lindo do que a mais linda renda francesa. E respire fundo, muito fundo, pensando em tudo que pode e ainda vai poder fazer durante muito tempo, isto é: qualquer coisa.
Ache graça em tudo, ria de tudo. O dinheiro está curto, o namorado sumiu, a melhor amiga fez uma falseta? E daí? O dinheiro pode pintar, namorado é o que não vai faltar, e a amiga, esqueça. Tome um sorvete de casquinha, pegue aquele biquíni do ano passado – o único que você tem -, vá para uma praia e, quando mergulhar, tenha a consciência de que não existem diamantes nem rubis que façam alguém mais feliz do que a sensação de mergulhar no mar.
Quando, à noite, for para a cama com sono, pense na felicidade que é botar a cabeça no travesseiro e dormir sem rpecisar de comprimido para esperar o sono vir; e, quando acordar e se olhar no espelho, pense em outra felicidade, que é não ter pintar o olho, botar um blush nem fazer uma escova, pois, por menos bonita que se seja, sempre se é linda aos 25 anos.
E, se alguma coisa te aborrecer, tire da cabeça e pense: “Sou jovem e isso ninguém pode tirar de mim”.
E viva, e sonhe, e seja feliz porque um dia a juventude vai passar, e será uma tristeza se você não tiver aproveitado todos os minutos dela, ou os de quando tiver 30, 40, 50, 60, 70, 80 ou 90.
Para que nunca passe pela sua cabeça a pior de todas as coisas: “Eu não aproveitei a minha vida”.
(Danuza Leão, Folha de São Paulo, 13/3/2008)
Para os barrigudinhos
Meninas de todo o Brasil, tenho um conselho valioso para dar aqui: se você acabou de conhecer um rapaz, ficou com ele algumas vezes e já está começando a imaginar o dia do seu casamento e o nome dos seus filhos, pare agora e me escute! Na próxima vez que encontrá-lo, tente (disfarçadamente) descobrir como é sua barriga. Se for musculosa, torneada, estilo “tanquinho”, fuja! Comece a correr agora e só pare quando estiver a uma distância segura. É fria, vai por mim.
Homem bom de verdade precisa, obrigatoriamente, ostentar uma barriguinha de chopp. Senão, não presta. Veja bem, não estou falando daqueles gordos suados, que sentam horas na frente da televisão com um balde de frango frito e que, quando se abaixam, mostram um cofre peludo. Não! Estou me referindo àqueles que, por não colocarem a beleza física acima de tudo (como fazem os malditos metrossexuais), acabaram cultivando uma pancinha adorável. Esses, sim, são pra manter por perto. E eu digo por quê.
Você nunca verá um homem barrigudinho tirando a camisa dentro de uma boate e dançando como um idiota, em cima do balcão. Se fizer isso, é pra fazer graça pra turma e, provavelmente, será engraçado, mesmo. Já os “tanquinhos” farão isso esperando que todas as mulheres do recinto caiam de amores, e eu tenho dó das que caem. Quando sentam em um boteco, numa tarde de calor, adivinha o que os pançudos pedem pra beber? Cerveja! Ou Coca-cola, tudo bem também. Mas você nunca os verá pedindo suco ou coca-light. Ou, pior ainda, um copo com gelo pra beber a mistura patética de vodka com “clight” que trouxe de casa. E você não será informada sobre quantas calorias tem no seu copo de cerveja, porque eles não sabem e nem se importam com essa informação.
Outra coisa fundamental: homens barrigudinhos são confortáveis! Experimente pegar a tábua de passar roupas e deitar em cima dela. Pois essa é a sensação de se deitar no peito de um musculoso besta. Terrível! Gostoso mesmo é se encaixar no ombro de um fofinho, isso que é conforto. E na hora de dormir de conchinha, então? Parece que a barriga se encaixa perfeitamente na nossa lombar, e fica sensacional. Homens com barriga não são metidos, nem prepotentes, nem donos do mundo. Eles sabem conquistar as mulheres por maneiras que excedem a barreira do físico. E eles aprenderam a conversar, a ser bem humorados, a usar o olhar e o sorriso pra conquistar. É por isso que eu digo que homens com barriguinha sabem fazer uma mulher feliz.
E no quesito comida, os homens com barriguinha também não deixam a desejar. Você nunca irá ouvir um “ah, amor, ‘Quarteirão’ é gostoso, mas você podia provar uma ‘McSalad’ com água de côco”. Nunca! Esses homens entendem que, se eles não estão em forma perfeita o tempo todo, você também não precisa estar. Mais uma vez, repito: não é pra chegar ao exagero total e mamar leite condensado na lata todo dia! Mas uma gordurinha aqui e ali não matará seu relacionamento. Se ele souber cozinhar, então, bingo! Encontrou a sorte grande, amiga… Ele vai fazer pra você todas as delícias que sabe, e nunca torcerá o nariz quando você repetir o prato. Pelo contrário, ficará feliz.
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DUAS BOLAS, POR FAVOR!
Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir sorvete de sobremesa, contar os minutos até ele chegar e aí ver o garçom colocar na minha frente uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido.
Uma só? Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa.
Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete bem cremoso e saborear em casa com direito a repetir quantas vezes a gente quiser, sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.
O sorvete é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano.
A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade. A gente sai pra jantar, mas come pouco.
Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.
Conquista a chamada liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das mulheres continua com pavor de ser rotulada de ‘fácil’).
Adora tomar um banho demorado, mas se contém pra não desperdiçar os recursos do planeta.
Quer beijar aquele cara 20 anos mais novo, mas tem medo de fazer papel ridículo.
Tem vontade de ficar em casa vendo um DVD, esparramada no sofá, mas se obriga a ir malhar. E por aí vai.
Tantos deveres, tanta preocupação em ‘acertar’, tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação…
Aí a vida vai ficando sem tempero, politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai ficando melancolicamente sem tesão…
Às vezes dá vontade de fazer tudo ‘errado’. Deixar de lado a régua, o compasso, a bússola, a balança e os 10 mandamentos.
Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito. Recusar prazeres incompletos e meias porções.
Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou e disse uma frase mais ou menos assim: ‘Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora’…
Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos (devemos?) desejar várias bolas de sorvete, bombons de muitos sabores, vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado.
Um dia a gente cria juízo. Um dia. Não tem que ser agora!
Por isso, garçom, por favor, me traga: cinco bolas de sorvete de chocolate, um sofá pra eu ver 10 episódios do ‘Law and Order’, uma caixa de trufas bem macias e o Richard Gere, nu, embrulhado pra presente. OK? Não necessariamente nessa ordem!
Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago…
Liberdade, oh, liberdade
Todo mundo quer ser livre; a liberdade é o bem mais precioso, almejado por homens e mulheres de todas as idades, e a luta para conquistá-la começa bem cedo.
Desde os primeiros meses de idade, você só pensa em uma coisa: fazer apenas o que quer, na hora que quer, do jeito que quer.
Crianças de meses rejeitam a mamadeira de três em três horas, mas choram quando têm fome – querem comer na hora que escolherem –, e quando um pouco mais grandinhas brigam para não vestir a roupa que a mãe escolheu. Ficam loucas para ir sozinhas para o colégio, e quando chegam em casa além do horário previsto, ai de quem perguntar onde elas estiveram. “Por aí” é o que respondem, quando respondem – e as mães que enlouqueçam.
Quando adolescentes, as coisas pioram: querem a chave do carro (e a de casa), e quando começam a sair à noite e os pais tentam estabelecer uma hora para chegar, é guerra na certa, com as devidas consequências: quarto trancado, onde ninguém pode entrar nem para fazer uma arrumação básica. Naquele território ninguém entra, pois é o único do qual ele se sente dono – e, portanto, livre. A partir dos 12 anos, o sonho de todos os adolescentes é morar num apart –sozinhos, claro.
Mas o tempo passa, vem um namoro mais sério, e quem ama não é – nem quer ser – livre (para que o outro também não seja). Dá para quem está namorando sumir por três dias? Claro que não. Se for passar o fim de semana na casa da avó, que mora em outra cidade, vai ter que dar o número do telefone – e isso lá é liberdade? E dos celulares, melhor nem falar.
Aí um dia você começa a achar que, para ser livre mesmo, é preciso ser só; começa a se afastar de tudo e cancela o amor em sua vida – entre outras coisas. Ah, que maravilha: vai aonde quer, volta na hora em que bem entende, resolve se o almoço vai ser um sanduíche ou na-da, sem ninguém para reclamar da geladeira vazia, trocar o canal de televisão ou reclamar porque você está fumando no quarto. Ah, viver em to-tal liberdade é a melhor coisa do mundo. Mas a vida não é simples, e um dia você acorda pensando em se mudar de casa; fica horas pesando os prós e contras, mas não consegue decidir se deve ou não. Pensa em refrescar a cabeça e ir ao cinema, mas fica na dúvida – enfrentar a fila, será que vale a pena? Vê a foto de uma modelo na revista e tem vontade de cortar o cabelo – mas será que vai ficar bem? Acaba não fazendo nada, e depois de tantos anos sem precisar dar satisfação da vida a ninguém, começa a sentir uma estranha nostalgia.
Como seria bom se tivesse alguém para dizer que é uma loucura fazer uma tatuagem; alguém que te aconselhasse a não trocar de carro agora – pra que, se o seu está tão bom? Que mostrasse o quanto você foi injusta com aquela amiga e precipitada quando largou o marido, o quanto foi rude com a faxineira por uma bobagem. Que falasse coisas que iam te irritar, desse conselhos que você iria seguir ou não, alguém com quem você pudesse brigar, que te atormentasse o juízo às vezes, para você poder reclamar bastante. Alguém que dissesse o que você deve ou não fazer, o que pode e o que não pode e até mesmo te proibisse de alguma coisa.
E que às vezes notasse suas olheiras e falasse, de maneira firme, que você está muito magra e talvez exagerando na dieta; alguém que percebesse que, faltando dez dias para o final do mês, você só tem 50 reais na carteira e perguntasse se você não está precisando de alguma coisa. E que dissesse sempre, em qualquer circunstância, “vai dar tudo certo”.
Que falta faz um pai.
Danuza Leão. Folha de S. Paulo, 3/3/2002
Fonte:
https://www.recantodasletras.com.br/humor/1754724
https://armazemdetexto.blogspot.com/search/label/DANUZA%20LE%C3%83O?m=0
http://pordentrodamodabymarinact.blogspot.com/2013/07/cronica-uma-vida-sem-luxo-por-danuza.html
https://entretextoseleituras.blogspot.com/p/aos-jovens-danuza-leao.html
https://diariodopoder.com.br/opiniao/para-os-barrigudinhos