Os 10 melhores poemas de Octavio Paz

Octavio Paz foi poeta, ensaísta, tradutor e diplomata. É reconhecido como um dos maiores escritores do século XX.

O poeta mexicano Octavio Paz nasceu na Cidade do México em 1914. Ensaísta, tradutor e diplomata, consagrou-se como uma das mais importantes vozes da poesia mexicana.

Autor de 7 livros de poemas, além de outros de ensaios, viajou muito em razão de sua carreira diplomática. Sempre teve interesse na literatura e nas artes, e acompanhou o surreaslimo na França, tendo sido amigo de André Breton.

“A crítica de Octavio Paz é de ordem antropológica e poética. Paz é poeta e crítico das civilizações, acreditando, ao contrário de que as civilizações são mortais, na frase de Valéry, que mesmo as aparentemente mortas estão vivas: os seus signos circulam nessa ars combinatoria do universo histórico. Como tudo é linguagem, tudo significa”.

(orelha do livro O Arco e a Lira, Ed. Nova Fronteira)

Foi um apaixonado pela literatura brasileira, especialmente pela poesia brasileira.

Em 1990, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, sendo reconhecido como um dos mais importantes escritores do século XX.

Selecionamos 10 poemas para conhecer a obra de Octavio Paz. Confira:

1- A Poesia

Chegas, silenciosa, secreta,
e despertas os furores, os gozos,
e esta angústia
que acende o que toca
e engendra em cada coisa
uma avidez sombria.

O mundo cede e se desmancha
como metal ao fogo.
Entre minhas ruínas me ergo,
sozinho, desnudo, despojado,
sobre a rocha imensa do silêncio,
como um solitário combatente
contra invisíveis tropas.

Verdade abrasadora,
para o que me empurras?
Não quero tua verdade,
tua insensata pergunta.
Para que esta luta estéril?
Não é o homem criatura capaz de conter-se,
avidez que só na sede se sacia,
chama que a todos os lábios consome,
espírito que não vive em nenhuma forma
mas faz arder todas as formas.

Sobes desde o mais fundo de mim,
desde o centro inominável de meu ser,
exército, maré.
Cresces, tua sede me afoga,
expulsando, tirânica,
aquilo que não cede
à tua espada frenética.
Já tão somente tu me habitas,
tu, sem nome, furiosa substância,
avidez subterrânea, delirante.

Golpeiam meu peito teus fantasmas,
despertas para meu tato,
gelas minha testa,
abres meus olhos.

Percebo o mundo e te toco,
substância intocável,
unidade de minha alma e de meu corpo,
e contemplo o combate que combato
e minhas bodas de terra.

Nublam meus olhos imagens opostas,
e as mesmas imagens
outras, mais profundas, negam-nas,
ardente balbucio,
águas que afoga uma água mais oculta e densa.
Em sua úmida treva vida e morte,
quietude e movimento, são o mesmo.

Insiste, vencedora,
porque existo tão somente porque existes,
e minha boca e minha língua se formaram
para dizer tão somente tua existência
e tuas secretas sílabas, palavra
impalpável e despótica,
substância de minha alma.

És tão somente um sonho,
porém em ti sonha o mundo
e sua mudez fala com tuas palavras.
Ao tocar teu peito roço
a elétrica fronteira da vida,
a treva de sangue
onde pactua a boca cruel e enamorada,
ávida ainda por destruir o que ama
e reviver o que destrói,
com o mundo, impassível
e sempre idêntico a si mesmo,
porque não se detém em nenhuma forma
nem se demora sobre o que engendra.

Leva-me, solitária,
leva-me entre os sonhos,
leva-me, mãe minha,
desperta-me do todo,
me faz sonhar teu sonho,
unta meus olhos com azeite,
para que ao conhecer-te me conheça.

2- Dois corpos

Dois corpos frente a frente
são  às vezes duas ondas
e a noite um oceano

Dois corpos frente a frente
são às vezes duas pedras
e a noite um deserto

Dois corpos frente a frente
são às vezes raízes
na noite enlaçadas

Dois corpos frente a frente
são às vezes navalhas
e a noite um relâmpago

Dois corpos frente a frente
são dois astros que caem
num céu vazio

3- Pedra nativa

A luz devasta as alturas
Manadas de impérios em derrota
O olho retrocede cercado de reflexos

Países vastos como a insônia
Pedregais de osso

Outono sem confins
Ergue a sede seus invisíveis fornecedores
Um último peru predica no deserto

Fecha os olhos e ouve cantar a luz:
O meio-dia anima em teu tímpano

Fecha os olhos e abre-os:
Não há ninguém nem sequer tu mesmo
O que não é pedra é luz

Como as pedras do Princípio
Como o princípio da Pedra
Como ao Princípio pedra contra pedra
Os fastos da noite:
O poema ainda sem rosto
O bosque ainda sem árvores
Os cantos ainda sem nome
Mas logo a luz irrompe com passos de leopardo
E a palavra se ergue ondula cai
E é uma larga ferida e um silêncio sem mácula
A alegria madura como um fruto
O fruto madura até ser sol
O sol madura até ser homem
O homem madura até ser astro
Nunca a luz se repartiu em tantas luzes
As árvores as ruas as montanhas
Se desdobram em ondas transparentes
Uma jovem ri na entrada do dia
É uma pluma ardendo o canto do canário
A música mostra seus braços desnudos
Seu dorso desnudo seu pensamento desnudo
No calor se aguça o instante venturoso
Água terra e sol são um só corpo
A hora e seu sino se dissolvem
As pedras as paisagens se evaporam
Todos se foram sem virar o rosto
Os amigos as belas à margem da vertigem
Zarpam as casas a igreja os bondes
O mundo empreende o voo
Também meu corpo se me escapa
E por entre as claridades se perde
O sol a tudo cobre a tudo vê
E em seu olhar fixo nos banhamos
E em sua pupila largamente nos queimamos
E nos abismos de sua luz caímos
Música precipitada
E ardemos e não deixamos marca

4- Arcos

A Silvina Ocampo

Quem canta nas ourelas do papel?
De bruços, inclinado sobre o rio
de imagens, me vejo, lento e só,
ao longe de mim mesmo: 6 letras puras,
constelação de signos, incisões.
na carne do tempo, ó escritura,
risca na água!

                     Vou entre verdores
enlaçados, adentro transparências,
entre ilhas avanço pelo rio,
pelo rio feliz que se desliza
e não transcorre, liso pensamento.
Me afasto de mim mesmo, me detenho
sem deter-me nessa margem, sigo
rio abaixo, entre arcos de enlaçadas
imagens, o rio pensativo.

Sigo, me espero além, vou-me ao encontro,
rio feliz que enlaça e desenlaça
um momento de sol entre dois olmos,
sobre a polida pedra se demora
e se desprende de si mesmo e segue,
rio abaixo, ao encontro de si mesmo.

5- Destino do poeta

Palavras? Sim. De ar
e perdidas no ar.
Deixa que eu me perca entre palavras,
deixa que eu seja o ar entre esses lábios,
um sopro erramundo sem contornos,
breve aroma que no ar se desvanece.
Também a luz em si mesma se perde.

Veja também: os 10 melhores poemas de amor de Pablo Neruda

6- Vento, água, pedra

A água perfura a pedra,
o vento dispersa a água,
a pedra detém ao vento.
Água, vento, pedra.

O vento esculpe a pedra,
a pedra é taça da água,
a água escapa e é vento.
Pedra, vento, água.

O vento em seus giros canta,
a água ao andar murmura,
a pedra imóvel se cala.
Vento, água, pedra.

Um é outro e é nenhum:
entre seus nomes vazios
passam e se desvanecem.
Água, pedra, vento.

7- Antes do começo

Ruídos confusos, claridade incerta.
Outro dia começa.
Um quarto em penumbra
e dois corpos estendidos.
Em minha fronte me perco
numa planície vazia.
E as horas afiam suas navalhas.
Mas a meu lado tu respiras;
íntima e longínqua
fluis e não te moves.
Inacessível se te penso,
com os olhos te apalpo,
te vejo com as mãos.
Os sonhos nos separam
e o sangue nos reúne:
Somos um rio que pulsa.
Sob tuas pálpebras amadurece
a semente do sol.
                            O mundo
No entanto, não é real,
                          o tempo duvida:
Só uma coisa é certa,
o calor da tua pele.
Em tua respiração escuto
as marés do ser,
a sílaba esquecida do Começo.

8- Entre partir e ficar

Entre partir e ficar hesita o dia,
enamorado de sua transparência.

A tarde circular é uma baía:
em seu quieto vai e vem se move o mundo.

Tudo é visível e tudo é ilusório,
tudo está perto e tudo é intocável.

Os papéis, o livro, o vaso, o lápis
repousam à sombra de seus nomes.

Pulsar do tempo que em minha têmpora repete
a mesma e insistente sílaba de sangue.

A luz faz do muro indiferente
Um espectral teatro de reflexos.

No centro de um olho me descubro;
Não me vê, não me vejo em seu olhar.

Dissipa-se o instante. Sem mover-me,
eu permaneço e parto: sou uma pausa

9- Isto e isto e isto

O surrealismo tem sido a maçã de fogo na árvore da sintaxe
O surrealismo tem sido a camélia de cinza entre os peitos da adolescente possuída pelo espectro de Orestes
O surrealismo tem sido o prato de lentilhas que o olhar do filho pródigo transforma em festim fumegante de rei canibal
O surrealismo tem sido o bálsamo de Ferrabrás que apaga os sinais do pecado original e o umbigo da linguagem
O surrealismo tem sido a cusparada na hóstia e o cravo de dinamite no confessionário e o abre-te sésamo das caixas de segurança e das grades dos manicômios
O surrealismo tem sido a chama ébria que guia os passos do sonâmbulo que caminha na ponta dos pés sobre o fio de sombra que traça a folha da guilhotina no pescoço dos justiçados
O surrealismo tem sido o prego ardente na fronte do geômetra e o vento forte que à meia-noite levanta o lençol das virgens
O surrealismo tem sido o pão selvagem que paralisa o ventre da Companhia de Jesus até que a obriga a vomitar todos os seus gatos e seus diabos encarcerados
O surrealismo tem sido o punhado de sal que dissolve as velhas moedinhas do realismo socialista
O surrealismo tem sido a coroa de papelão do crítico sem cabeça e a víbora que desliza entre as pernas da mulher do crítico
O surrealismo tem sido a lepra do ocidente cristão e o açoite de nove cordas que desenha o caminho de saída para outras terras e outras línguas e outras almas sobre o lombo do nacionalismo embrutecido e embrutecedor
O surrealismo tem sido o discurso da criança soterrada em cada homem e a aspersão de sílabas de leite de leoas sobre os ossos calcinados de Giordano Bruno
O surrealismo tem sido as botas de sete léguas dos foragidos das prisões da razão dialética e a tocha de Pulgarcito que corta os nós da trepadeira venenosa que cobre os muros das revoluções petrificadas do século XX
O surrealismo tem sido isto e isto e isto

10- Escrito com tinta verde

A tinta verde cria jardins, selvas, prados,
folhagens onde gorjeiam letras,
palavras que são árvores,
frases de verdes constelações.

Deixa que minhas palavras, ó branca, desçam e te cubram
como uma chuva de folhas a um campo de neve,
como a hera à estátua,
como a tinta a esta página.

Braços, cintura, colo, seios,
fronte pura como o mar,
nuca de bosque no outono,
dentes que mordem um talo de grama.

Teu corpo se constela de signos verdes,
renovos num corpo de árvore.
Não te importe tanta miúda cicatriz luminosa:
olha o céu e sua verde tatuagem de estrelas.

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1 comentário

Euler de França Belém 28 de agosto de 2022 - 13:51
Muito bom. Só faltou informar quem traduziu os poemas.
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