Atrás de Torto Arado, do baiano Itamar Vieira Júnior, Tudo é rio, de Carla Madeira foi um dos títulos que ganhou popularidade e entrou na lista dos livros de ficção de 2021 mais vendidos.
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O livro de estreia da jornalista e publicitária mineira Carla Madeira foi lançado originalmente pela editora Quixote em 2014, mas no ano passado ganhou nova edição pela editora Record.
A autora conta que o livro começou a ser escrito no final dos anos 90, mas o desenrolar da trama envolvendo uma situação dramática do casal de personagens paralisou sua escrita, e a história só foi retomada 14 anos depois.
O livro narra a história do casal Dalva e Venâncio, que tem a vida marcada por uma impactante tragédia, e de Lucy, a prostituta mais cobiçada da cidade, que cruza o caminho dos dois. Uma narrativa fluida, provocativa e instigante que aborda questões como ciúme, abandono, violência doméstica, entre outros.
Ao ser questionada pela Revista Versatille de como resumiria o seu livro Tudo é rio em poucas palavras, Cláudia responde:
“Ele tem uma provocação sobre o que é a condição humana, no sentido de que somos todos capazes do bem e do mal. Traz a pergunta se é possível perdoar o imperdoável. Traz a questão da humanidade nos personagens. A situação que abre o livro é muito violenta. Uma coisa brutal. Os personagens precisam viver e seguir uma trajetória para sair da imobilidade. A ideia central é esse exercício da humanidade, sem maniqueísmos. Todos temos a potência para o bem e para o mal.”
A autora também publicou pela mesma editora o romance Véspera, em 2021. A natureza da mordida, lançado em 2018, terá nova edição em breve.
Confira algumas frases:
Mas e o amor? O que é senão um monte de gostar? Gostar de falar, gostar de tocar, gostar de cheirar, gostar de ouvir, gostar de olhar. Gostar de se abandonar no outro. O amor não passa de um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo.
Perder amores é escurecer por dentro, uma memória do corpo que o entardecer evoca quando tinge o céu de vermelho.
De que é feita então a justiça divina? De mistérios que devemos engolir como saliva? Se Deus sabe o que faz, e sempre faz o que quer, para que servem a prece e o fervor de quem suplica? Será um capricho nos querer ajoelhados? A vida revela sem constrangimento que alguns são ouvidos, outros não. Acaso não somos todos iguais diante do Senhor? Se o exemplo vem de Deus, se devemos buscar ser sua imagem e semelhança, que exemplo Deus nos dá quando uns se tornam mais merecedores do que outros? Não estaria a justiça divina inspirando a injustiça humana?
Nenhuma folha cai sem que Deus permita, Ele sabe para que serve a minha dor. O sofrimento, por uma insanidade humana ou por uma perversidade divina, tem valor. Assim creem os que creem. Encontram no calvário um sentido para além da vida. Todo o propósito oculto das coisas a Deus pertence. A dor sem tamanho afasta a coragem de não crer. Aceitam esse Deus imperfeito feito à imagem e semelhança dos homens.
O amor, quando nasce forte, tem pressa de ser eterno.
[…] a verdade não tem dono, que é duro demais existir e que ninguém precisa ajudar ninguém a sofrer. O sofrimento vem sozinho, tem pernas, mais cedo ou mais tarde ele aparece; o que a gente tem de buscar é a alegria, essa se esconde delicada na correria dos dias, não se oferece de pronto, quer ser encontrada, surpreendida, amada.
O lugar que dói é o mesmo que sente arrepios. É no corpo, no amor e na liberdade de escolher as coisas que a gente fica inteiro ou despedaçado. Então, pede para a parte boa dar conta da parte ruim.
A morte põe um olho no passado e outro no futuro e deixa a gente cego na hora, no encontro do que foi e do que será, na tortura do que poderia ter sido. Impõe o desespero do definitivo, trava os movimentos. Embrulha o estômago indigesta. Faz frio nos ossos. A morte é vida intensa demais para quem fica.
Algumas vezes as mudanças acontecem na marra. Uma guilhotina afiada corta as nossas mãos, e todas as rédeas escapam. É o que pensamos ter acontecido, até que a gente se dá conta de que nunca houve rédeas. Ninguém monta na vida. Brincamos de escolher, brincamos de poder conduzir o destino.