Elizabeth Bishop Bishop nasceu em 1911, em Worcester, no estado de Massachusetts, costa leste dos Estados Unidos. Ela conviveu pouco com os pais: o pai morreu antes que Bishop completasse 1 ano e, quando tinha apenas 5 anos, a mãe foi internada em um hospital psiquiátrico. Mudou-se para o Canadá, onde permaneceu até voltar aos EUA para estudar. Em 2020, o nome da autora esteve em uma polêmica ao ser escolhida para homenageada da Flip – Feira Internacional de Paraty. Alguns consideram a decisão “insultuosa” e outros, acertada. Mas quais seriam os melhores poemas que mais representam a autora?
As críticas têm a ver com o posicionamento político e a relação controversa da autora com o país. Embora sua obra não tenha cunho político, em suas cartas Bishop elogiou e apoiou o golpe militar de 1964, além de demonstrar desprezo pela cultura brasileira.
O NotaTerapia separou os 10 melhores poemas de Elizabeth Bishop para você conhecer.
A arte de perder
A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subsequente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.
Tradução de Paulo Henriques Britto
O banho de xampu
Os liquens – silenciosas explosões
nas pedras – crescem e engordam,
concêntricas, cinzentas concussões.
Têm um encontro marcado
com os halos ao redor da lua, embora
até o momento nada tenha mudado.
E como o céu há de nos dar guardia
enquanto isso não se der,
você há de convir, amiga,
que se precipitou;
e eis no que dá. Porque o Tempo é,
mais que tudo, contemporizador.
No teu cabelo negro brilham estrelas
cadentes, arredias.
Para onde irão elas
tão cedo, resolutas?
– Vem, deixa eu lavá-lo, aqui nesta bacia
amassada e brilhante como a lua.
Chegada em Santos
Eis uma costa; eis um porto;
após uma dieta frugal de horizonte, uma paisagem:
morros de formas tão práticas, cheios – quem sabe?
[de autocomiseração,
tristes e agrestes sob a frívola folhagem,
uma igrejinha no alto de um deles. E armazéns,
alguns em tons débeis de rosa, ou de azul,
e umas palmeiras, altas e inseguras. Ah, turistas,
então é isso que este país tão longe ao sul
tem a oferecer a quem procura nada menos
que um mundo diferente, uma vida melhor, e o imediato
e definitivo entendimento de ambos
após dezoito dias de hiato?
Termine o desjejum. Lá vem o navio-tênder,
uma estranha e antiga embarcação,
com um trapo estranho e colorido ao vento.
A bandeira. Primeira vez que a vejo. Eu tinha a impressão
de que não havia bandeira, mas tinha que haver,
tal como cédulas e moedas – claro que sim.
E agora, cautelosas, descemos de costas a escada,
eu e uma outra passageira, Miss Breen,
num cais onde vinte e seis cargueiros aguardam
um carregamento de café que não tem mais fim.
Cuidado, moço, com esse gancho! Ah!
não é que ele fisgou a saia de Miss Breen,
coitada! Miss Breen tem uns setenta anos,
um metro e oitenta, lindos olhos azuis, bem
simpática. É tenente de polícia aposentada.
Quando não está viajando, mora em Glen
s Falls, estado de Nova York. Bom. Conseguimos.
Na alfândega deve haver quem fale inglês e não
implique com nosso estoque de bourbon e cigarros.
Os portos são necessários, como os selos e o sabão,
e nem ligam para a impressão que causam.
Daí as cores mortas dos sabonetes e selos –
aqueles desmancham aos poucos, e estes desgrudam
de nossos cartões-postais antes que possam lê-los
nossos destinatários, ou porque a cola daqui
é muito ordinária, ou então por causa do calor.
Partimos de Santos imediatamente;
vamos de carro para o interior.
(tradução de Paulo Henriques Britto)
Filhos de Posseiros
Na ilharga inerte do morro, à tarde,
dois pontos, menina e menino, brincando,
a sós, junto a um outro ponto, uma casa.
O sol pisca o olho de vez em quando,
e os dois atravessam enormes ondas
que se sucedem, de luz e sombra.
Um cisco amarelo os acompanha,
um cachorrinho. Atrás da montanha
nuvens de chuva crescem mais e mais.
As crianças cavam buracos. O chão
é duro; elas tentam utilizar
uma ferramenta do pai, um alvião
imenso, de cabo quebrado,
que mal conseguem erguer de tão pesado.
A ferramenta cai. As gargalhadas
iluminam as nuvens arroxeadas,
fracos lampejos interrogativos,
diretos como o latir do cachorro.
Mas para as crianças, naquele abrigo
solúvel, indesculpável, no morro,
a resposta da chuva é tão vazia
quanto uma vaga ecolalia,
e a voz da mãe, antipática e insistente,
manda que entrem imediatamente.
Crianças, o temporal foi mais ligeiro
que os seus pés enlameados a correr;
logradas, molhadas, vocês estão no meio
de muitas mansões, e podem escolher
dentre elas uma casa para ser sua,
com direito inclusive a escritura.
Papéis molhados lhes garantem a posse
desses palácios de chuva grossa.
Cadela Rosada
[Rio de Janeiro]
Sol forte, céu azul. O Rio sua.
Praia apinhada de barracas. Nua,
passo apressado, você cruza a rua.
Nunca vi um cão tão nu, tão sem nada,
sem pelo, pele tão avermelhada…
Quem a vê até troca de calçada.
Têm medo da raiva. Mas isso não
é hidrofobia — é sarna. O olhar é são
e esperto. E os seus filhotes, onde estão?
(Tetas cheias de leite.) Em que favela
você os escondeu, em que ruela,
pra viver sua vida de cadela?
Você não sabia? Deu no jornal:
pra resolver o problema social,
estão jogando os mendigos num canal.
E não são só pedintes os lançados
no rio da Guarda: idiotas, aleijados,
vagabundos, alcoólatras, drogados.
Se fazem isso com gente, os estúpidos,
com pernetas ou bípedes, sem escrúpulos,
o que não fariam com um quadrúpede?
A piada mais contada hoje em dia
é que os mendigos, em vez de comida,
andam comprando boias salva-vidas.
mesmo é vestir alguma fantasia.
Não dá pra você ficar por aí à
toa com essa cara. Você devia
pôr uma máscara qualquer. Que tal?
Até a Quarta-Feira, é carnaval!
Dance um samba! Abaixo o baixo-astral!
O carnaval está cada vez melhor!
Agora, um cão pelado é mesmo um horror…
Vamos, se fantasie! A-lá-lá-ô…!
Melhores poemas de Elizabeth Bishop publicado pela Companhia das Letras:
O mapa
Terra entre águas, sombreada de verde.
Sombras, talvez rasos, lhe traçam o contorno,
uma linha de recifes, algas como adorno,
riscando o azul singelo com seu verde.
Ou a terra avança sobre o mar e o levanta
e abarca, sem bulir suas águas lentas?
Ao longo das praias pardacentas
será que a terra puxa o mar e o levanta?
A sombra da Terra Nova jaz imóvel.
O Labrador é amarelo, onde o esquimó sonhador
o untou de óleo. Afagamos essas belas baías,
em vitrines, como se fossem florir, ou como se
para servir de aquário a peixes invisíveis.
Os nomes dos portos se espraiam pelo mar,
os nomes das cidades sobem as serras vizinhas
— aqui o impressor experimentou um sentimento semelhante
ao da emoção ultrapassando demais a sua causa.
As penínsulas pegam a água entre polegar e indicador
como mulheres apalpando pano antes de comprar.
As águas mapeadas são mais tranquilas que a terra,
e lhe emprestam sua forma ondulada:
a lebre da Noruega corre para o sul, afobada,
perfis investigam o mar, onde há terra.
É compulsório, ou os países escolhem as suas cores?
— As mais condizentes com a nação ou as águas nacionais.
Topografia é imparcial; norte e oeste são iguais.
Mais sutis que as do historiador são do cartógrafo as cores.
O Iceberg Imaginário
O iceberg nos atrai mais que o navio,
mesmo acabando com a viagem.
Mesmo pairando imóvel, nuvem pétrea,
e o mar um mármore revolto.
O iceberg nos atrai mais que o navio:
queremos esse chão vivo de neve,
mesmo com as velas do navio tombadas
qual neve indissoluta sobre a água.
Ó calmo campo flutuante,
sabes que um iceberg dorme em ti, e em breve
vai despertar e talvez pastar na tua neve?
Esta cena um marujo daria os olhos
pra ver. Esquece-se o navio. O iceberg
sobe e desce; seus píncaros de vidro
corrigem elípticas no céu.
Este cenário empresta a quem o pisa
uma retórica fácil. O pano leve
é levantado por cordas finíssimas
de aéreas espirais de neve.
Duelo de argúcia entre as alvas agulhas
e o sol. O seu peso o iceberg enfrenta
no palco instável e incerto onde se assenta.
É por dentro que o iceberg se faceta.
Tal como joias numa tumba
ele se salva para sempre, e adorna
só a si, talvez também as neves
que nos assombram tanto sobre o mar.
Adeus, adeus, dizemos, e o navio
segue viagem, e as ondas se sucedem,
e as nuvens buscam um céu mais quente.
O iceberg seduz a alma
(pois os dois se inventam do quase invisível)
a vê-lo assim: concreto, ereto, indivisível.
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Chemin de Fer
Sozinha nos trilhos eu ia,
coração aos saltos no peito.
O espaço entre os dormentes
era excessivo, ou muito estreito.
Paisagem empobrecida:
carvalhos, pinheiros franzinos;
e além da folhagem cinzenta
vi luzir ao longe o laguinho
onde vive o eremita sujo,
como uma lágrima translúcida
a conter seus sofrimentos
ao longo dos anos, lúcida.
O eremita deu um tiro
e uma árvore balançou.
O laguinho estremeceu.
Sua galinha cocoricou.
Bradou o velho eremita:
“Amor tem que ser posto em prática!”
Ao longe, um eco esboçou
sua adesão, não muito enfática.
O Cavalheiro de Shalott
Qual olho é o dele?
Qual membro é real
e qual está no espelho?
A cor é igual
à esquerda e à direita,
e ninguém suspeita
que esta ou aquela
perna, ou braço, seja
verdade ou impostura
nessa estranha estrutura.
A seu ver,
isso é prova garantida
de uma imagem refletida
ao longo desta linha
que chamamos de espinha.
Modesto, sentia
que sua pessoa
era metade espelho:
pois duplicar-se seria
um total destrambelho.
O vidro se prolonga
por sua mediana,
ou melhor, sua borda.
Mas ele não sabe direito
o que está dentro ou fora
da imagem refletida.
Não há muita margem de erro,
mas provar é impossível.
E se meio cérebro é reflexo
seu pensamento terá nexo?
Mas ele aceita sem problema
a parcimônia do esquema.
Se o espelho escorregar
vai ser de amargar —
só uma perna etc. Mas por ora
está apoiado na escora,
e ele anda e corre e pega a mão
com a outra. A sensação
de incerteza o deixa feliz,
ele diz.
Afirma também que gosta
de estar sempre a se reajustar.
No momento, eis o que tem a declarar:
“Metade basta.”
E aí, gostou dos melhores poemas da Elizabeth Bishop? Conta pra gente!
Fonte: https://institutolotta.org.br/a-arte-de-perder-elizabeth-bishop/158
https://www.escritas.org/pt/elizabeth-bishop
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/12/leia-dois-poemas-escritos-por-elizabeth-bishop-no-brasil.shtml
https://www.companhiadasletras.com.br/trechos/13133.pdf
https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2019/12/conheca-vida-e-obra-da-poeta-elizabeth-bishop-e-sua-polemica-historia-no-brasil.html