O livro Le Guidedu Zizi Sexuel, escrito pela francesa Hélène Bruller e ilustrado pelo suíço Philippe Chappuis (mais conhecido como Zep), completou 20 anos de lançamento na França. Indicado para pré-adolescentes e adolescentes entre 11 e 15 anos de idade, ele foi traduzido para mais de 25 países e teve 1,5 milhão de cópias vendidas. No Brasil, foi lançado em 2007 pela Companhia das Letras e renomeado de Aparelho Sexual e Cia: um guia inusitado para crianças descoladas.
Aparelho Sexual e Cia. entrou em discussão quando Jair Bolsonaro, ainda deputado federal, posicionou-se contra o programa Escola Sem Homofobia, que seria instituído em 2011 pelo Ministério da Educação (MEC). O projeto constituía na distribuição de material didático direcionado a professores para tratar da cidadania e dos direitos humanos da população LGBT. Isso bastou para que se popularizasse o “kit gay“, termo pejorativo que gerou uma sucessão de notícias falsas, ancorado no discurso da defesa da moralidade e dos bons costumes.
Em programas de TV, o político afirmava que o livro era um dos distribuídos pelo MEC. Mesmo que o MEC tenha informado na época, “que não produziu nem adquiriu ou distribuiu o [referido] livro”. A polêmica acabou alcançando grande proporção, influenciando uma parte da população que jamais teve acesso ou efetivamente leu o livro.
Durante a campanha eleitoral de 2018, com a pauta conservadora, defendida pelo candidato Bolsonaro, o tema retornou em questão. Na entrevista com os candidatos à presidência pelo Jornal Nacional, da TV Globo, ele chegou a levar e comentar sobre o livro. Com a repercussão, os apoiadores passaram a espalhar uma série de fake news reunindo num suposto “kit gay” invenções com a utilização de outros materiais, além de descaracterizações e deturpações dos projetos propostos. A edição, antes esgotada nas livrarias brasileiras, foi relançada em setembro de 2018, devido à grande divulgação do livro.
A Companhia das Letras disse ao site DW Brasil que permanece com o mesmo posicionamento sobre a importância da obra, pois ela “enfoca todos os aspectos da sexualidade, com sólida base pedagógica e rigor científico”. Ainda argumentou que o conteúdo nada tem de pornográfico e também inclui uma seção que alerta os adolescentes quanto a situações de abuso, pedofilia, incesto, fornecendo até o contato do disque-denúncia. “Justamente por sua seriedade e pela importância do tema – cuja dificuldade de tratamento foi superada pela leveza na abordagem de assuntos como a paixão, as mudanças da puberdade, a contracepção, doenças sexualmente transmissíveis, pedofilia e incesto –, a obra foi publicada em dez línguas e vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares no mundo”, e, além disso, “virou um modelo de como informar os jovens sobre temas importantes e incontornáveis, a partir de um tratamento comprometido e cuidadoso”, destacou a editora.
Em 2018, a editora emitiu uma nota e esclareceu que o livro nunca foi comprado pelo MEC, como tampouco fez parte de um suposto kit gay. O Ministério da Cultura (MinC) comprou 28 exemplares em 2011 para o programa Livro Aberto e nenhum foi distribuído para escolas. Da mesma forma, também não foi incluído no projeto Escola sem Homofobia.
Especialistas destacam a importância do livro Aparelho Sexual e Cia, pois os jovens podem ter acesso ao tema e dirimirem suas dúvidas. Na maior parte dos casos, os adolescentes não encontram a intimidade e o acolhimento no ambiente familiar para buscar informações que necessitam, já que, por diferentes motivos, os pais demonstram resistência, vergonha ou medo em tratar dessas questões. Encontrando barreiras, eles vão perguntar ao amigo que, muitas vezes, não dispõe também de conhecimento suficiente.
Diferentemente da maioria dos livros indicados para essa faixa de idade, Aparelho Sexual e Cia aposta num tipo de abordagem mais direta, pois trata abertamente dos temas que envolvem a sexualidade.
“Não adianta negar essa informações. Eles [os adolescentes] estão vivendo um momento em que a natureza nos torna pessoas interessadas em sexo. Não é Bolsonaro e não é ninguém que vai conseguir acabar com esse interesse”, evidencia a sexóloga Lena Vilela, ex-diretora do instituto Kaplan – Centro de Estudos da Sexualidade Humana.
A educação sexual é essencial para a formação de jovens e adultos conscientes, evitando doenças sexualmente transmissíveis, gravidez precoce, violência e abuso. O conhecimento é um aliado no processo de desenvolvimento e funcionamento do próprio corpo, bem como auxilia no enfrentamento dos problemas decorrentes da falta de informação e orientação adequadas.