“Conjugado”, de Luiz Antonio Ribeiro

Lançado em 2021, pela editora Patuá, o romance de estreia do dramaturgo, doutor em memória social e editor do Nota Terapia, Luiz Antonio Ribeiro, é um romance inesquecível e bastante incomum: o estilo da prosa, carregado de poesia, repleto de trocadilhos divertidos, com o texto distribuído pelas páginas praticamente em forma de poesia concreta (o que remete ao título: Conjugado, prédio, concreto) prende a atenção do início ao fim.

A narrativa conta a história de um jovem que vive em um conjugado e começa a estranhar os seus objetos mudarem de lugar: alguém mexe neles, mas quem? Ele mora sozinho. O mundo do livro é ele em um apartamento pequeno, o conjugado, um espaço limitado, onde ele só vê um pedaço de céu de Chokito e muitas janelas – e os vizinhos, que vivem nos mundos dessas outras janelas.

O mistério de quem mexe nos objetos do protagonista narrador, ou se é que alguém mexe mesmo ou se é a mente dele que mexe a sua percepção dos seus arredores, segue por todo o livro, enquanto o narrador nos apresenta seus vizinhos, e, por essas apresentações – cada uma mais original e repleta de trocadilhos do que a outra – reflete sobre a sua perspectiva do mundo e de si mesmo. O uso da linguagem de maneira original e divertida é um dos pontos fortes do livro, pois é impossível esquecer tiradas como “Nadia a ver”, e outros usos incrivelmente criativos da linguagem para criar apelidos e ideias liricamente singulares.

A mistura de leveza, de uma linguagem leve, divertida, irreverente, descontraída, com a profundidade das reflexões que a obra apresenta é mais um ponto forte e marcante: um equilíbrio complexo e raro de poesia em prosa, leveza, humor e profundidade. Reflexões inusitadas surgem a cada virar de página, enquanto o narrador nos inunda com um lirismo sempre inesperado e cirurgicamente certeiro. A narrativa anda rápido, na velocidade de reflexões casuais, rotineiras: quando vê, já anoiteceu, já mudou o dia, e o conjugado segue em constante mudança, nos objetos, nas palavras, no seu habitante.
Os objetos seguem sendo mexidos, e esse mexe é algo sobre o qual o protagonista se questiona constantemente e faz o leitor se questionar junto: quem mexe? Quando e como mexe e por quê? Isso conduz a diversas reflexões sobre o olhar, a percepção das mudanças e do sujeito no mundo e sobre o mundo.

O mexe então de repente se torna some, e o sujeito já não mais se encontra nesse mexe e desaparece do mundo. Então ecoam por tudo o mexe e o some e o soma, e medo das sombras e o farfalhar das coisas que mexem na gente, tudo isso conjugado como um verbo de uma oração praticamente concluída, mas que segue mexendo na gente mesmo depois de todos os pontos finais.

É um livro que
mexe
com o leitor.
Um texto singular,
elástico e concreto,
como um verbo
que não vai parar
de
ser
conjugado.

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