Toda a literatura é feita de corpos, embora uma série de escolas literárias tenham feito a gente a acreditar no contrário. Claudia Schroeder traz uma poesia que, mordaz nas palavras, tem a violência do verbo dando corpo a materialidade do texto. Em As Partes Nuas temos uma seleção feita junto a Pedro Gonzaga – poeta, tradutor e estudioso de literatura – com textos criados nos últimos quatro anos, quando Claudia deu mais atenção à sua voz interna poética.
– Quando ainda criança, tive um bloqueio em uma oficina de desenho, me afastando da prática por um tempo. Por conta disso, tinha medo de me aprofundar na escrita e sofrer um novo bloqueio, mas Pedro me ajudou a olhar para minhas criações e o que aconteceu com a poesia foi o oposto do desenho – reflete a autora.
O NotaTerapia conseguiu uma incrível entrevista com a autora. Confira:
Olá, Claudia! Bem-vinda ao NotaTerapia!
A primeira coisa que me chamou atenção no seu livro foi o título: As Partes Nuas. O livro é uma coletânea de poemas recolhidos durante um longo tempo de produção, né? Como foi recolher essas suas partes nuas de palavras? Teve alguma nudez que você preferiu não mostrar?
O livro é uma seleção dos meus quatro últimos anos de produção. Quanto à nudez, se trata de um olhar mais cru sobre a experiência humana, é a vida real das pessoas, não necessariamente a minha nudez e a nudez física. E não, não tenho problema em mostrar qualquer tipo de nudez, não me autocensurei na escolha dos poemas.
“Saudade da minha alma
ando morrendo
dentes amarelando rápido
meu olhar perdeu o brilho de gato a vagina
não mais desliza
fácil teu corpo
as verdades jamais vieram
não me convidaram para um despretensioso chá
as mentiras é que
se deitavam comigo
e roubaram minha alma
esta que me causa essa saudade”
O título é incrível porque sugere que a nudez é uma coisa plural. Como se a nudez não fosse algo de uma pessoa, mas algo que despessoalizasse, transformasse as pessoas em partes. Como você atravessou com a linguagem essa despessoalização da poesia?
Penso que todo mundo tem as suas partes nuas. Somos vários, várias partes. Alguns escondem as suas até para si mesmos. Encarar a nudez das coisas, dos eventos, das nossas dores e alegrias é muito humano. E talvez seja isso que a minha poesia pretenda expor sem pudores.
O José Luis Peixoto chama atenção no prefácio para o fato de que o corpo levanta uma dúvida entre “identidade, presença e gênero”. Como a poesia ajuda a compor, desfazer ou aprofundar essa dúvida? E como você recoloca essa questão em seu livro?
Não tive a intenção de escrever sem gênero. Isso foi acontecendo naturalmente. Talvez porque as coisas principais da nossa vida não têm gênero. Os corpos quando amam podem tudo e quando explodem em sentimentos ruins, também. Acho que a minha poesia não desfaz esta dúvida, ela deseja que todos os gêneros se encontrem nela. O mais curioso é que sim, o escritor sempre é um pouco autobiográfico, então alguns leitores me perguntam se já vivi uma determinada relação, se o que está ali é real. E eu respondo: o que é viver de verdade algo? É ser o protagonista ou acompanhar uma história de outra pessoa que acaba virando um poema?
Passeando pelo seu livro, a gente pode ver que seus poemas são breves, mas que as palavras pesam, como se cada um carregasse uma matéria densa. Como você diria que As Partes Nuas se coloca no mundo (principalmente pandêmico)?
Sim, o meu estilo de escrever não é leve, é mais nu e cru. E não sou muito de longos poemas (ao menos, até agora). Quanto ao mundo pandêmico, o livro se encaixa não como um alívio a tudo o que está acontecendo, mas ele traz reflexões. Não há no livro nada diretamente ligado à pandemia – o poema que fala de 2020 foi escrito em janeiro, antes do início do “toque de recolher” no Brasil – mas todos os temas cabem em tudo o que a pandemia trouxe: as relações que se desgastaram e as que renasceram, por exemplo – mas isso tudo sempre existiu.
Os seus poemas passam por temas entre o feminismo e a sexualidade. Em tempos em que o corpo se esvazia por conta da pandemia e que temos um poder que busca desfazer as corporalidades de que forma modular sobre esses temas, em poesia, cria frestas neste mundo cerrado?
Boa parte do tema do livro é sobre a libertação feminina. E acredito que, mesmo com a pandemia, com o distanciamento dos corpos, é possível se libertar. Porque o primeiro passo é se libertar das nossas próprias amarras culturais, é libertar o corpo para si mesmo, é reinventar as relações humanas neste mundo ainda de portas fechadas para outros corpos. Na minha opinião, desfazer os nossos nós diante do espelho é a primeira coisa para que um novo encontro com outro corpo dê certo.
Passeando pelas suas fotos e poesias no instagram, a gente percebe que a ideia de que “corpo é matéria” não é uma metáfora, mas uma modulação de multipresenças. Como uma rede tão tomada pela velocidade como o instagram pode, também, oferecer algo à poesia?
As redes sociais, embora tenha seus lados negativos, são capazes de espalhar encorajamento e poesia, entre tantas outras coisas boas. O meu instagram poético nasceu para isso: exercitar a coragem de assumir essas partes nuas que tentamos (principalmente as mulheres) esconder pela vida toda, tanto em fotos, quanto em temas poéticos.
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