Esta matéria é em homenagem à minha amiga Renata Magalhães que me presenteou com este livro
Um dos maiores desafios da literatura contemporânea é saber o que contar. Estamos frente a um mundo fracionado, fragmentado, confuso a tal ponto de não sabermos se estamos bem ou não, de não sabermos se vivemos tempos realmente sombrios ou se são apenas as marcas das dores de todos os tempos que estão recaindo sobre nós. A solução para esta pergunta é apresentada de muitas formas por muitos escritores de várias partes do mundo, mas são poucos aqueles conseguem encontrar um caminho entre as brechas das tragédias para compor um universo ao mesmo tempo assustador e singelo. Este é Etgar Keret.
Sete Anos Bons, de Etgar Keret, é uma espécie de relato autobiográfico dos últimos anos sete anos de vida do autor, especificamente, os sete primeiros anos de vida do seu filho Lev. Sua vida pode ser resumida assim: um filho cruel que gosta de maltratar e manipular outras pessoas, principalmente os amiguinhos da escola; uma esposa que vive imersa em dietas espirituais e yogas para encontrar o balanço da vida – mas que ele vê como uma pessoa má; um amigo esquisito que trabalho com vendas suspeitas de imóveis; uma irmã da religião ultraortodoxa com quem ele pouco pode ter contato. Enfim, uma vida comum como a de todos e as estranhezas do cotidiano. No entanto, o mais interessante é que, enquanto conta sua história, Keret apresenta todo o contexto político e social de Israel e os sintomas de uma guerra (nem tão) silenciosa constante que vive circundando seu pequeno mundinho.
A visão, ao mesmo tempo, trágica e bem humorada do autor faz com que acompanhemos com uma certa doçura suas narrações, sem com isso cairmos na esparrela de achar que ele é um rapaz realmente doce e utópico. Pelo contrário, ficamos frente a sua visão ácida de todos os aspectos da vida e nos colamos a ele, a ponto de sentirmos uma tristeza imensa quando, em dado momento, descobrimos que seu pai está com uma grave doença. Trata-se de uma obra de tremenda capacidade de fotografar a segunda década do século XXI: uma década que, se não tivermos um pouco de humor diante do caos, vamos sufocar.
Compre o livro com desconto aqui!
O NotaTerapia separou as melhores frases da obra:
Acontece que os ataques sempre são iguais. O que de original se pode dizer sobre uma explosão e a morte insensata?
No Oriente Médio, as pessoas sentem sua mortalidade mais do que em outros lugares do planeta, o que leva a maior parte da população a desenvolver tendências agressivas para com estranhos que tentam desperdiçar o pouco tempo que lhes resta na terra.
Afinal, não somos melhores o que ninguém para resolver ambiguidades morais. Mas sempre soubemos vencer uma guerra.
Mesmo que alguém escreva um livro, isso não dá a ele o direito de rabiscar meu exemplar – especialmente se sua letra é feia, como a de um farmacêutico, e ele insiste em usar palavras difíceis que você precisa procurar no dicionário só para descobrir que o que ele queria dizer era “divirta-se”.
Só porque você é paranoico, não significa que não estejam atrás de você.
Quando tento reconstituir essas histórias para dormir que meu pai me contou anos atrás, percebo que, muito além de suas tramas fascinantes, elas pretendiam me ensinar alguma coisa.
Algo sobre a necessidade humana quase desesperadora de encontrar o bem nos lugares menos prováveis. Algo sobre o desejo não de embelezar a realidade, mas de insistir na busca por um ângulo que coloque a feiura em uma luz melhor e crie afeto e empatia por cada verruga e ruga em sua cara marcada.
entendi que era exatamente isso que eu queria ser quando crescesse: um soldado que, mesmo de farda, jamais esquece seu espírito livre.
Quando estou bem, não preciso de ninguém, e quando estou me sentindo uma merda e aquele grande buraco vazio se abre dentro de mim, simplesmente sei que nunca houve um deus que pudesse preenchê-lo e que jamais haverá.
A palavra café, explicou ele, é diferente em croata, bósnio e sérvio, e toda opção de palavra inocente era carregada de conotações políticas ameaçadoras.
– Para evitar problemas – explicou – as pessoas começaram a pedir um espresso, uma palavra italiana neutra, e da noite para o dia, paramos de servir café e servimos apenas espresso.
Edição: Editora Rocco, 2015
Tradução: Maira Parula