Autor: Wil Eisner
Páginas: 80
Ano: 1987
Série: Graphic Novel
O filósofo francês Paul Virilio diz que, com a aceleração das cidades, aumento da tecnologia e as perspectivas do tempo real, nós passamos a viver uma crise do espaço. Sem precisar nos deslocarmos ou adotando deslocamentos ultra-rápidos, a cidade passa a ficar “desabitada” de vida, prédios começam a ser galpões vazios e grandes áreas urbanas passam a viver uma espécie de fantasmagoria. Acredito que esta visão também pode ser ampliada para a subjetividade humana: com as perspectivas aceleradas do mundo contemporâneo, vivemos uma espécie de crise do sujeito, uma desabitação do sujeito que, sem espaços para ocupar, vive uma espécie de errância fantasmagórica de uma cidade a qual não pertence e a uma vida que pouco lhe dá sentido. A HQ O Edifício trata um pouco desta questão.
O Edifício, de Will Eisner, conta a história de um prédio. Isto mesmo, um grande e antigo prédio de uma grande cidade que, um dia, é demolido. Um novo e moderno prédio é construído em seu lugar, no entanto, quatro fantasmas passam a habitar aquele local. Eisner, então, nos conta a história destes quatro fantasmas e qual sua relação com o prédio: um rapaz que vê um menino sendo atropelado ali, um casal que marca encontros sempre naquela esquina, um sujeito que após uma doença vai todos os dias tocar violino para as pessoas que ali passam, e um filho de empresário que resolver comprar este prédio onde viveu na infância.
No prefácio da obra, Will Eisner destaca que toda cidade grande nos deixa com uma espécie de “assombro” em que tudo que nos acontece é, ao mesmo tempo, “inexplicável” e “mágico”. Ele aponta que percebendo a velocidade com que tudo era substituído com muita pressa na cidade, em uma alternância entre destruição e reconstrução, o que ficava era um vazio, uma espécie de alma em que tudo que se destruía, principalmente os prédios: estes esqueletos , essas ossadas, espécies de escombros do passado humano. Diz ele:
“Agora estou certo que essas estruturas marcadas por risos e manchadas por lágrimas são mais que edifícios inertes. É impossível pensar que, ao fazerem parte da vida, não tenham absorvida as radiações provenientes da interação humana”.
O mais interessante na HQ é justamente esta filosofia de recuperar uma espécie de alma da cidade, como se ao lado dos corpos que ali passam, também houvesse a história de centenas de vidas que ali cruzam. Neste sentido, a cidade não é apenas um espaço de passagem, ou seja, o lugar por onde o tempo pode se acelerar, mas justamente um espaço de habitação onde pessoas montam suas histórias. Assim, os espaços urbanos, estes prédios que, mais do que nunca, contam as suas histórias e as histórias que de figuras que ali passam, ganham espécies de testemunho de uma época, como se fossem cúmplices de vidas que ali atravessam. De alguma maneira, se os quatro fantasmas de Eisner têm suas histórias ao redor daquele prédio, então, é o próprio prédio uma espécie de casa de histórias, sendo ele quase como um grande teatro, cinema, ou até livro do mundo.
O que faz O Edifício especialmente importante, neste caso, é a percepção de que ela encontra e desenha uma pequena partícula da vida através de uma forma que nenhuma outra arte seria capaz. Will Eisner, um dos grandes pensadores da vida contemporânea, escreve sobre um pormenor de nossa sociedade e compõe uma pequena filosofia dos corpos da cidade em O Edifício.