O sistema capitalista norte-americano com suas bases religiosas do protestantismo eventualmente levantaram suspeitas: “Como um país com princípios solidários e de confraternização, tornou-se uma das maiores potências exploradoras?” O imaginário da cultura pop encarregou-se de nos apresentar uma vasta gama de ideias em forma de ficção, documentário, ou até mesmo em fóruns pela internet. Teorias conspiratórias que vão desde atentados terroristas a produtos de beleza; brinquedos com razões nada sinceras e músicas que na verdade incitam atitudes violentas e sexuais.
Mas o objeto em questão não tem nada de fantasioso ou conspiratório em seus bastidores, muito pelo contrário. No final da Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos voltaram para casa com uma vontade: ter muitos filhos. Se tinha uma coisa que esses baby boomers adoravam, como talvez quaisquer outras crianças adoram, era brinquedos. Se tinha outra coisa que pudessem gostar também, seria bichos de estimação como presente surpresa. Perto de 1957, um homem chamado Harold von Braunhut teve uma ideia para todas essas crianças, que unia o quesito brinquedo, animal de estimação e surpresa. Inspirado nas fazendas de formigas (ant-farms), Harold criou os Sea Monkeys.
Os Sea Mokeys – ou Kikos Marinhos aqui no Brasil – podem ser familiares para quem já os viu em desenhos ou quaisquer outras produções cinematográficas norte-americanas, um brinquedo em sachê que ao ser despejado em água acaba por dar a vida a vários seres minúsculos com um curto período de vida. Esses “macacos marinhos”, traduzindo literalmente, em nada tinham a ver com primatas, sequer um peixe. Na verdade, os bichinhos eram crustáceos chamados de brine shrimp (camarão de salmora), uma espécie pequena de camarão usado como isca de peixe. Após algumas modificações genéticas, Harold e Dr. Anthony D’ Agostino criaram ovos capazes de aguentar muito tempo em condições mais drásticas, suportando o alto frio e calor por até décadas, algo que a própria espécie já tinha: um sistema biológico chamado de criptobiose.
As crianças colocavam o conteúdo de um saquinho no recipiente de água, as instruções diziam ser para “purificar a água”, depois de 24 horas devia ser colocado o segundo saquinho, que era nomeado de “vida instantânea!”, e magicamente apareciam os bichinhos minúsculos nadando com suas perninhas. Só que na verdade os ovos eram colocados na primeira vez, e eclodiam depois do período de 1 dia, e não no sachê de “vida instantânea”, que por sua vez continha apenas um pouco de tinta azul, que deixava os camarõezinhos mais visíveis na água. Os ovinhos pareciam grãos de areia, daí a dificuldade de percebê-los. Por isso as crianças achavam estar lidando com algo mágico de outro planeta, como Harold propunha nas propagandas de TV, rádio e nas páginas de revista em quadrinhos.
O sucesso de Harold von Braunhut levou a um número de vendas excepcional, ele fechou contratos com a DC-Comics para publicar sempre seus anúncios e cartelas de pedido nos gibis, e logo fez mais sucesso com outras criações, como os Óculos de Raio-X e um peixinho dourado invisível – sim, isso mesmo. Nesse ponto podemos perceber que Harold era um homem de muita falácia e um personagem nato para a publicidade, alguém capaz de enganar crianças para desejarem até água como brinquedo. No entanto, não foram só as crianças que Harold enganou.
A história tomou um rumo estranho quando Harold lançou o Kiyoga Agent M5, um brinquedo do tamanho de uma caneta, com um mecanismo de mola que aumentava e virava um bastonete de metal. Servia para se defender com um objeto aparentemente inofensivo. A publicidade aqui foi um tanto absurda, von Braunhut chegou a dizer que seria “a arma ideal para você que precisa de um revólver, mas não consegue tirar uma licença”. O que seria estranho por si só, considerando que o produto não era exatamente para crianças, mas era vendido como um “brinquedo” que inclusive estava dentro dos mesmos recursos de anúncio, mesmo formato e layout, até o mesmo endereço que os de Sea Monkeys.
Mas o que supera a estranheza do produto, era a quem o produto estava beneficiando – e não eram os consumidores. Boa parte dos lucros não só do bastão de metal, como outras mercadorias, era encaminhado para grupos arianos white power. Não apenas um doador financeiro, mas diversas provas apontam para Harold como um participante assíduo e personagem influente em reuniões da Ku Klux Klan. Parece que sua falácia não era só usada para vender os brinquedos.
O trecho do documentário a seguir, aos 12 minutos, mostra um vídeo de Harold falando ao microfone:
É assustador pensar que alguém com a capacidade criativa que esteve influenciando gerações de crianças, não só os baby boomers, pode ter um fundo tão obscuro. A sociedade americana esteve sempre embebida em ideias absurdas que levam muitos a criar ou acreditar numa história conspiratória, e que muitas vezes provam-se verdade como esta.
Fontes:
>Hitler and the Sea-Monkeys
>Great Big Story