Por que relemos nossos livros favoritos quando crianças e paramos quando envelhecemos?

[Traduzido do Flaworwire, Sarah Seltzer]

Como uma jovem leitora ávida, eu dilacerava cada livro da Nancy Drew – tanto os originais como os baratos, de bolso – duas vezes, e meus favoritos mais de cinco ou seis vezes. Ainda mais sagrado era o meu ritual bianual de reviver todos os principais romances de L.M. Montgomery, incluindo a série de seis livros Anne de Green Gables, alternando entre o meu favorito, Emily de New Moon e suas duas sequências. Por semanas eu voltaria para a Prince Edward Island e lá ficaria com os personagens. Essa jornada era suplementada por uma releitura solene de O Senhor dos Anéis a cada quatro ou cinco anos, que era experiência tão intensa que meus sonhos começavam a ficar parecidos com os cenários de Peter Jackson, antes mesmo deles existirem. Quando fiquei mais velha, troquei alguns desses clássicos infantis por livros de adulto, relendo os “seis de Austen” de novo e mais uma vez, além de rever a minha minissérie favorita da autora e os filmes de Senhor dos Anéis, com o hábito de fazer maratona.

Mas o último romance de Jane Austen que eu reli foi no começo de 2010 – dois apartamentos, três empregos e cinco anos atrás. Até essa semana, eu não sentava e relia um livro favorito por prazer desde então, e rever filmes e séries também reduziu consideravelmente. Eu desisti de uma parte preciosa da minha vida cultural, um item principal desde que estava no Ensino Fundamental. Então por que parei? E o que eu perdi?

A resposta para a primeira pergunta é complicada. A óbvia e superficial resposta é “tempo e prioridades”. Essas farras com a releitura na infância, e mesmo na faculdade, eram permitidas pelos verões longos, férias do colégio, viagens em família. E elas ofereciam um adiamento agradável dos estresses da leitura e escrita obrigatórias na sala de aula, uma chance de recuperar essas atividades para mim mesma. Agora, quase toda leitura que faço é para uma lição de casa diferente –  a do tipo social. Até séries populares como Jogos Vorazes e a saga de Sookie Stackhouse entraram na minha lista de leitura, pelo menos parcialmente, para me deixar “em dia com a conversa”. Eu ando por aí com uma pilha de livros que “preciso” ler, tal como uma fila tão cheia quanto no Instapaper e um córrego de artigos, dissertações e histórias de amigos que eu genuinamente quero ler para ajudá-los a avaliar e oferecer suporte.

E quando estou lendo por prazer, estou frequentemente dilacerando novos livros, esperando encontrar “aquele” que me recordará como era ler um livro de Austen ou Montgomery, e me decepcionando (bom, com a única recente exceção de Elena Ferrante).

Já cheguei a entender que eu raramente vou. experimentar aquela adrenalina da descoberta novamente, e talvez esse seja o problema com releituras. Elas relembram o que fomos e onde não podemos ir de novo. Certa vez, quando estava no Ensino Fundamental, sentei no meu tapete e agarrei Os Pioneiros, esperando por uma releitura indulgente. Mas não consegui fazer isso – ele foi, claramente, escrito para crianças, simples demais. Ele não tinha mais o poder que teve uma vez de me puxar para seu mundo. Esse sentimento explica a trepidação que acompanhou meu download de Emily de New Moon essa semana.

É um livro infantil sofisticado. Sofisticado porque é preocupado tematicamente com a questão que me levou às suas páginas. Na realidade, a heroína reconsidera regularmente sua própria poesia e diários e os queima, os vê como lixo, quando meses atrás ela pensou que eles fossem resplandecentes. Isso nunca acaba. Emily passa a maior parte do livro escrevendo suas frustrações em cartas para seu falecido pai, “Mas quando ela tentou novamente escrever uma carta para seu pai, descobriu que essa não significava nada para ela… Uma certa porta da vida foi fechada pelas suas costas e não poderia ser reaberta”.

Reler Emily forneceu por si só a lembrança de portas que foram fechadas pelas minhas costas. O livro que uma vez pareceu denso, hoje parece leve. Porém, ele também me deu insights que não estavam na minha expectativa. Como Nabokov otimamente disse, “O elemento do tempo não entra realmente no primeiro contato com a pintura. Ao ler um livro, nós devemos ter tempo para familiarizar-nos com ele. Nós não possuímos um órgão físico (como temos o olhos no que respeita à pintura) que toma toda a imagem e, em seguida, desfruta de seus detalhes. Mas na segunda, terceira ou quarta leitura nós, de certo modo, nos comportamos em relação a ele como fazemos em relação a uma pintura.”

Uma releitura nos permite voar pelas páginas e absorver mais do significado secundário do livro, ao invés do enredo inicial, das personagens e das estruturas. Mas ela também significa a suspensão da nossa descrença propensa, a compreensão de que o que nós vemos é uma criação falsa. Qualquer um que já viu o show da banda favorita múltiplas vezes num mesmo tour pode reconhecer tal sentimento. No primeiro show você está muito eufórico para ouvir e ver qualquer coisa além da música e do exibicionismo. Já no segundo, você começa a notar a coreografia de certos momentos, as pequenas coisas que os roadies fazem para o show aparentar sem esforço, a forma como o(a) cantor(a) parece coado(a). Você sabe um pouco mais sobre o jeito da banda de trabalhar e ser, mas a cortina da mágica foi levantada.

Dessa vez lendo Emily de New Moon, reconheci cada personagem secundário, cada evento, e saboreei reencontrá-los. Entretanto, uma coisa também mudou: encontrei-me pensando menos sobre a heroína do romance, por estar mais e mais curiosa sobre a autora, sobre o idealismo e a amargura que foi colocada em página, como ela atingiu seu tom, e quais foram suas fontes emocionais e literárias. Em outras palavras, eu vi Emily mais como uma construção do que como costumava vê-la, que era como amiga e guia espiritual.

Emily de New Moon (1998)

Porém, isso não significa que o livro perdeu seu poder inspirador e cicatrizante para mim; em vez disso, o locus de controle tinha mudado. O poder não veio da história em si, mas da habilidade da autora de criar uma heroína tão singular e encantadora, até detalhes como a testa alta de Emily e sua imaginação hiperativa. Similarmente, quando fiquei chorosa ao final de Orgulho e Preconceito depois de quatro ou cinco leituras, não foi porque Lizzy é incrível ou porque ela e Darcy finalmente ficaram juntos – na realidade, eu vejo suas falhas mais claramente agora. Em vez disso, é porque estou maravilhada que Jane Austen os criou, os moveu e me fez continuar instigada, mesmo que veja os cordões sendo puxados.

A releitura oferece coisas que poucas outras experiências culturais oferecem: uma mistura de estabilidade e nova visão afiada. Na infância, “como nos tornamos acostumados a um mundo onde apenas a mudança é constante, a familiaridade do livro na hora de dormir é algo para se apegar. Adultos tampouco estão imunes a esses sentimentos”, Hephzibah Anderson escreveu no ano passado. “Em exceção que, frequentemente, esse não é o caso. Notamos novos detalhes. Nossas interpretações mudam à medida que evoluem”.

Ao longo de My Life in Middlemarch, Rebecca Mead escreve como a cada leitura de seu livro favorito, seus reconhecimentos dos personagens e simpatias mudam. Certamente, reler significa acessar constantemente o crescimento e perda da inocência, o que pode ser espiritualmente gratificante, mas também doloroso. Entretanto, essa mistura de vontade com luta, de se aninhar ao familiar enquanto aprende verdades difíceis, é o núcleo de qualquer prática espiritual infundida, seja meditação ou busca criativa. Reservar tempo para re-experimentar a arte que nós mais amamos no passado pode ser um modo de passar o tempo com nós mesmos, e mesmo com suas recompensas passando majoritariamente despercebidas, isso faz todas delas importantes para serem investigadas. Agora que terminei o primeiro livro de Emily, eu planejo reler toda a série e tentar trazer meus livros favoritos de volta para minha vida, sem ter medo de perder o “tempo produtivo”.

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