Dividir a produção literária entre “adulta” ou “infantojuvenil” é claramente insuficiente; essa nomenclatura é somente aqui utilizada para direcionar o público da literatura realizada por autores que são reconhecidos por sua marca no cânone mundial. Sabemos, entretanto, que esse cânone poucas vezes reconhece os escritores voltados para o público infantojuvenil, como se esta fosse uma literatura “menor” em comparação à “alta” complexidade da literatura adulta. Mesmo assim, procuramos utilizar esse espaço para valorizar a literatura infantil e juvenil, nem que, para isso, precisemos relembrar também o momento em que grandes autores se aventuraram pela escrita a esse público.
Que conheçamos mais um pouco da literatura de Clarice Lispector e James Joyce além de A hora da estrela e Ulisses, não é mesmo? Confira nossa seleção a seguir:
1 – Os três astronautas, de Umberto Eco
O conto de Umberto Eco, o reverenciado romancista e acadêmico falecido em 2016, foi escrito junto a Eugenio Cami e conta a história da chegada de três terranos à Marte: um chinês, um russo e um americano. Os três se odeiam à primeira vista e logo denunciam suas nacionalidades. Mas o encontro com um marciano pode mudar a perspectiva dos três.
2 – O livro das camas, de Sylvia Plath
Sylvia Plath é conhecida por ser uma das poetas mais importantes da modernidade e também por seu pungente romance semi-autobiográfico A redoma de vidro. Mas a autora também se dedicou à poesia infantil com seu adorável O livro das camas, em que a fantasia rola solta em versos para presentear o leitor com os diversos tipos de camas existentes (e inexistentes!). O livro foi escrito por Plath para os próprios filhos.
3 – A árvore dos desejos, de William Faulkner
O único livro do poeta americano para o público infantil, A árvore dos desejos conta a história de um garoto ruivo muito peculiar que guia uma menina e suas convidadas de sua festa de aniversário em busca de uma árvore que concretiza desejos. A história de Faulkner reitera a necessidade de escolher seus sonhos com bondade. A primeira edição do livro, confeccionada pelo próprio autor, possui uma história interessante: em 1927, o autor presenteou Victoria “Cho-Cho” Franklin, a filha de seu amor de infância (e por quem ainda estava apaixonado), Estelle Oldham, com essa história, na esperança de que Oldham deixasse seu marido e se casasse com ele (o que ela fez, dois anos mais tarde).
4 – A vida íntima de Laura, de Clarice Lispector
O conto infantil de Clarice Lispector, publicado na forma de livro, é uma narrativa curiosa: conta a “vida íntima” de uma galinha que não tem nada demais, a não ser o talento de botar muitos ovos. Não é tão inteligente e também não se acha bonita, tendo penas de diferentes cores. Apesar de ter medo de ser feita de refeição, tem desejo de ser almoçada pelo craque Pelé, se for possível.
5 – A arca de Noé, de Vinicius de Moraes
Vinicius de Moraes sabe muito do público infantil. O poetinha não só compôs verdadeiras odes à infância como “Aquarela”, “A casa” e “O Caderno” (NÃO ME ESQUEÇA NUM CANTO QUALQUEER ♪) mas também compilou diversos poemas para crianças no gracioso A arca de Noé. São 32 poemas, muitos sobre animais, e alguns foram posteriormente musicados e lançados nos dois volumes do álbum de A arca de Noé, contando com diferentes intérpretes.
6 – O menino no sapatinho, de Mia Couto
A bela história de Mia Couto é a de um menino que, de tão pequeno, “quando nasceu, nem foi dado à luz mas a uma simples fresta de claridade”. O sapato, berço do personagem, precisava sempre ser observado pela mãe […] — ainda mais porque o marido, quando voltava bêbado e queria sair mais uma vez, não distinguia “o mais esquerdo do menos esquerdo”.
7 – Perde quem fica zangado primeiro, de Italo Calvino
O livro de Italo Calvino, publicado em 1954, é uma antologia de duzentas fábulas italianas populares reunidas para se assemelhar àquelas dos irmãos Perrault e dos Grimm. Está é uma delas. Trata-se da história de três rapazes que ouvem do pai moribundo: ‘Como podem ver, meus filhos, estou quase morrendo. Só tenho para deixar a vocês três sacolas de moedas que juntei com meu trabalho; cada um pegue a sua e trate de multiplicá-la’. Desse jeito, a narrativa mostra como cada um tenta realizar o desejo de seu pai.
8 – O mundo é redondo, de Gertrude Stein
Mesclando poesia e prosa na sua forma literária única, Stein conta em O mundo é redondo as aventuras de uma jovem menina chamada Rose nas suas descobertas sobre a identidade e a individualidade. Trata-se de um conto que brinca com as palavras e com o som para explorar as profundas ideias com que a personagem toma contato.
9 – Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles
O livro de Cecília Meireles, publicado pela primeira vez em 1964, reúne as formas afetivas e rítmicas das cantigas de ninar, das cantigas de roda e dos trava línguas para jogar com as palavras em seus poemas encantadores. No poema que dá nome ao livro, o eu lírico enuncia: “Ou se tem chuva e não se tem sol / ou se tem sol e não se tem chuva! / Ou se calça a luva e não se põe o anel, / ou se põe o anel e não se calça a luva!”. As imagens cotidianas da mais singela infância às incursões fantasiosas marcam presença nessa obra fundamental à literatura infantil nacional.
10 – Histórias de mistério, de Lygia Fagundes Telles
Nessa coletânea de seis contos da autora paulistana reunida pela Rosa Amanda Strausz é um verdadeiro mergulho no desconhecido. Os famosos desfechos imprevisíveis de Telles também marcam presença nessa obra voltada para adolescentes, que se aprofunda em histórias cuja principal ameaça é sempre a falta iminente do amor.
11 – O gato e o diabo, de James Joyce
Inspirada numa carta que escreveu a seu neto, Stephen, em 1936, Joyce conta em O gato e o diabo a história de um diabo que, numa barganha com o prefeito, constrói uma ponte na cidade de Beaugency em troca da alma do primeiro ser que a atravessasse. O escritor teria também se inspirado numa lenda popular francesa, que conheceu durante seu período de exílio no país.
Fonte da imagem de capa: Gerald Rose